Os nomes de Renata Dama, Wandna da Silva e Mariely Sena apareceram nas urnas das eleições deste ano, mas não tiveram nenhum voto. Elas afirmam ao G1 que não sabiam que eram candidatas.
Renata Dama, filiada ao PMB em Roraima, tem 37 anos. Ela disse ter descoberto que era candidata a deputada estadual por meio de uma amiga que viu o nome dela na página do TSE.
“Uma pessoa [do partido] veio até a mim perguntando se eu era filiada e eu disse que era, e essa pessoa me falou que precisava completar ‘X’ número do sexo feminino para completar a legenda (…) Perguntei se eu iria concorrer, e me disseram que eu não ia concorrer, que eu só ia completar a inscrição” (…) Não chegaram em mim dizendo: ‘olha, você vai ser candidata”.
Renata disse que chegou a abrir conta corrente no banco e tirar foto, exigências para formalizar a candidatura — mas não sabia que seria candidata. “A princípio, não era pra eu concorrer. Fiz a inscrição, mas não… Na realidade, fui enganada.” A candidata disse que iria pedir a desfiliação do Partido da Mulher Brasileira (PMB), pelo qual concorreu.
A presidente do PMB em Roraima, Sandra Santos, afirma que todas sabiam que concorreriam ao cargo. Ela admitiu que o partido buscou mulheres filiadas para lançá-las candidatas, mas afirmou que nenhuma delas foi usada como “laranja”, como são conhecidas as candidaturas apenas para cumprir a cota feminina nos partidos (veja regra abaixo). Ela disse ainda que o partido não financiou a campanha de nenhum candidato, mas deu santinhos para os que quisessem.
“Nós temos as mesmas dificuldades que os outros partidos, e isso ainda mais quando se vai para o campo da participação feminina. Lamentavelmente, as nossas mulheres não foram tão bem votadas como nós esperávamos”, afirmou.
Já Wandna da Silva, que entrou na urna como Wandna do Santa Cecília (PRP-RR), nega que tivesse lançado candidatura a deputada estadual, e diz que irá procurar a legenda para entender o que aconteceu. “Eu me filiei só ao partido. Eu não saí como candidata. Pra mim estava só como se eu tivesse filiada, por isso que votei em outra pessoa”, afirma. O G1 não conseguiu contato com o PRP em Roraima.
Mariely Sena (PTC-AP) respondeu que não ao ser perguntada se foi candidata a deputada estadual nas eleições de 2018.
“Até no momento eu queria vir pra deputada estadual, só que eu não tive recurso para arcar com os materiais da campanha. Aí o partido ficou de me passar um dinheiro, mas eu não tive acesso, por isso que no último instante não houve material de campanha. Até você pode ver a foto, que não tem número, aí não teve como eu vir fazer campanha e conquistar votos, porque eu moro no Pracuúba e pra cá é bem distante de Macapá. Até aí foi me repassado isso, que deu problema no comprovante de residência. Só isso que posso lhe informar”.
A direção do PTC no Amapá foi procurada, mas não respondeu.
Dos 24 candidatos que apareceram nas urnas dessas eleições mas não levaram nenhum voto, 21 são mulheres. Todos disputaram vagas nas assembleias legislativas, a maioria no Amapá — foram 6. Acre e Roraima tiveram 5 candidatos com zero voto cada um. Rondônia teve 3. Ceará, Maranhão, Pará, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro registraram 1 não votado cada um.
De acordo com o vice-procurador-geral eleitoral, Humberto Jacques, já existem investigações em andamento sobre possíveis candidaturas “laranja” às eleições de 2018 em Rondônia.
O que diz a lei
A legislação que estabelece normas para as eleições no Brasil existe desde 1997 e obriga que cada partido ou coligação lance, no mínimo, 30% de candidaturas de cada sexo para deputado. A medida visa a aumentar a participação feminina na política: hoje, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as mulheres são 5 em cada 10 eleitores, mas apenas 3 em cada 10 candidatos.
Mesmo 20 anos após a lei, os partidos ainda apresentam chapas que descumprem a regra, como o G1 mostrou. Nesses casos, a Justiça notifica-os para que corrijam os problemas, sob pena de rejeição de todas as candidaturas.
Em 2016, candidaturas de mulheres com zero voto foram investigadas por suspeita de terem sido laranjas – ou seja, terem sido apresentadas apenas para cumprir a cota.
Segundo o vice-procurador-geral eleitoral, Não receber votos não implica necessariamente, no entanto, em candidatura falsa, e é preciso investigar cada caso. Mas, caso fique comprovado que houve uso de candidaturas laranjas, todos os candidatos envolvidos nas chapas fraudulentas devem ser cassados, mesmo que já tenham sido eleitos.
“A posição nossa é de que cai todo mundo — ou seja, perde o mandato todo mundo que estava nessa mesma canoa, porque a fraude não prejudica só ela [a candidata mulher], só os eleitos, mas prejudica os eleitos, os suplentes, e ela. Cai todo o grupo. Isso contamina toda a chapa. E aí a única maneira de que não seja praticado é todo mundo que estava participando dessa fraude — e não apenas a candidata — sejam alcançados pela nulidade.”
Segundo o procurador-regional eleitoral titular em Roraima, Rodrigo Mark Freitas, além da fraude à cota mínima de 30%, os casos apurados pelo G1 podem, em tese, configurar crime de falsidade ideológica eleitoral, que tem pena de reclusão de até cinco anos. Freitas afirmou que o Ministério Público Eleitoral irá apurar esses e outros casos suspeitos.
Jacques afirma que a prisão, no entanto, exige certeza e prova de que as candidatas, “no seu íntimo, sabiam e queriam fazer [a fraude]”, explica. O vice-procurador-geral eleitoral acrescenta, no entanto, que é difícil atestar essa intenção — ou falta dela — em todos os envolvidos. Por esse motivo, na maioria das vezes aplica-se a pena de inelegibilidade dos candidatos por oito anos e a devolução do recurso público utilizado nas campanhas.
“A ideia é de que elas [as candidatas mulheres] também fiquem inelegíveis. A gente tem que trabalhar de modo objetivo. Houve uma fraude e você participou dela. Se você olhar o lado passional, pessoal, os vencedores dizem ‘eu não sabia de nada, todos os votos que eu tenho foram com meu suor’. As mulheres dizem ‘eu não sabia de nada, eu fui usada’. Aí ninguém sabe de nada, e vai ficar por isso mesmo, é mais ou menos esse o problema. Quem está na chapa tem que olhar se todo mundo está ok”, explica.
No caso de candidatas que não receberam nenhum recurso, cabe à chapa a devolução de todo o dinheiro repassado a ela. Os partidos, no entanto, não ficam inelegíveis.
Mulheres são maioria entre os sem-voto
Dos 24 candidatos que apareceram nas urnas dessas eleições mas não levaram nenhum voto, 21 são mulheres. O Partido Trabalhista Cristão (PTC), a Democracia Cristã (DC) e o Podemos lançaram o maior número de candidaturas: quatro cada um.
Segundo o vice-procurador-geral eleitoral, é preciso ficar atento aos casos de desistência. “É um bom álibi para ela e para o partido. Fazemos uma apuração caprichada, verificando elementos de que a pessoa sabia que era só para constar. “
Alguns candidatos contatados pelo G1 afirmaram que desistiram de concorrer. Inês Felix (PRP-RO), Solange Ramos (PHS-RO) e Silvana (Patri-RR) dizem não ter recebido dinheiro do partido para fazer campanha e, por isso, abriram mão da candidatura.
O motivo também foi apontado para o caso de Renata Menezes (Pode-AP) pelo presidente do Podemos em Macapá, David Velasco.
“Ela está grávida e tem quase 40 anos, é uma gravidez de risco. Ela também esperava outra coisa: dinheiro [para a campanha]. O partido só liberou material gráfico e combustível”, diz Velasco.
No Acre, a coligação PRTB-DC teve quatro candidaturas com zero voto, todas de mulheres: Macicleia Ferreira, Eva Silva, Amanda Oliveira e Rosilene Bernaldo.
Segundo o presidente regional do PRTB no estado, Francisco Lira, Rosilene teve de cuidar de um problema de saúde do marido. As outras, diz, desistiram da disputa por desilusão com a política.
“Houve uma grande desilusão pelo momento em que a política está. Algumas pessoas deixavam de fazer campanha porque havia um descontentamento total por conta da política. Elas estavam indo fazer campanha e eram recebidas com xingamentos. Foi uma decepção geral”, afirma.
O G1 tentou ligar para Wagner Moura (PV-RN) nos telefones informados ao TSE. Um representante do partido que atendeu e se identificou como Paulo diz que o candidato desistiu de concorrer.
O candidato Maicon Ribeiro (SD-AP) afirmou que desistiu da candidatura por não receber apoio do partido ainda no período de lançamento das pré-candidaturas, mas mesmo assim teve o nome registrado. Chegou a participar de reunião pedindo a intervenção do presidente do Solidariedade. Disse que não recebeu nenhum valor do fundo partidário, e não teve condições de fazer a campanha. Por isso, resolveu não votar nele mesmo. Ele informou que vai fazer prestação de contas no TRE-AP.
Já a candidata Débora Melo (PTC – RR) não desistiu da candidatura, mas não esperava não ter nenhum voto.
“Não tem como tu concorrer, ter uma candidatura sem tu saber. Porque tu precisa assinar coisas, precisa abrir conta em banco. É meio complicado tu não saber, né? Eu soube no dia da apuração dos votos que não tirei nenhum voto, mas eu não estava esperando. Votei em outro candidato porque eu achava que ia ter votos, entendeu? Não fiz uma campanha forte. Foi só com os amigos. Era só para pegar uma “experienciazinha”. Bom, não sei te dizer ao certo por que não tive voto, mas eu imagino que foi porque eu não comprei.”
O PRTB do Rio de Janeiro diz que não conseguiu contato com Maria Silvério, candidata do partido à Assembleia Legislativa do estado, que também teve zero voto.
Os demais candidatos foram procurados, mas não responderam até a última atualização desta reportagem. São eles:
- Mariselva Pereira (Podemos), no Acre;
- Ana Claudia (Partido Trabalhista Cristão – PTC), no Amapá;
- Ana Paula Soares (Partido da Mulher Brasileira – PMB), no Amapá;
- Josimar (Partido da Mulher Brasileira – PMB), no Amapá;
- Tania Santana (Partido da Social Democracia Brasileira, PSDB), no Maranhão;
- Eliane Surugan (Partido Trabalhista Cristão – PTC), no Pará;
- Dilva Cunha (Podemos), em Roraima.
Mesmo com zero votos, candidatos podem assumir cargo
Dos 24 candidatos que não receberam nenhum voto, 14 constam como suplentes no site do TSE — ou seja, na prática, estão aptos a assumir uma vaga caso os titulares desistam dos mandatos. De acordo com o vice-procurador-geral eleitoral, mesmo sem votação, isso pode acontecer.
“O voto zero não torna impossível aceitar um cargo, porque ela estava naquela chapa. Pode ter colaborado para receber votos, pode ter pedido pela legenda. O voto para deputado é como se tivesse duas expressões: eu quero este grupo e, dentro deste grupo, a minha preferência é para esta pessoa. Então ela estava no grupo eleito mas não teve a preferência de ninguém”, explica Jacques.
Em resposta enviada por e-mail ao G1, o Tribunal Superior Eleitoral também afirmou que não há exigência de votação mínima para os cargos de suplente, sendo possível que as candidatas tomem posse.
*colaboraram Janine Brasil (G1 AC); Lorena Kubota (G1 AP); Marília Cordeiro (G1 CE); Mayara Subtil (G1 RO); Emily Costa e Valéria Oliveira (G1 RR).