Religião
Vivendo no exílio – Por Daniel Lima
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Não importa o resultado das eleições deste final de semana, inúmero de nós estaremos satisfeitos e outra grande parcela ficará decepcionada! Temos dificuldade quando nossa esperança (justificada ou não) é frustrada. Quem de nós nunca viu homens adultos chegarem às lágrimas quando seu time de futebol perde uma partida importante? E, veja bem, neste caso são resultados bastante irrelevantes para sua vida… Na questão de eleições, é bem possível que essa frustração afete sua vida, sua casa e, quem sabe, até sua igreja.
Como devemos reagir, enquanto cristãos, quando somos forçados a viver sob um governo que desafia nossas preferências, nossas convicções e mesmo nossa fé? Certamente muitos vão cair em uma apatia impotente: “Não adianta a gente se interessar e se envolver, nada muda mesmo!”. Outras cairão em uma revolta ou indignação, em sua grande maioria igualmente impotente: “Não dá mais, este governo eleito vai nos levar a uma situação ainda pior. Não há nada que se aproveite nele…”. Não creio que estas sejam as únicas opções e certamente não creio que são as mais saudáveis, seja para o país, seja para sua igreja, para sua família ou mesmo para você enquanto seguidor de Jesus. Já falamos em outro artigo sobre o perigo de entregar-se de forma absoluta a um movimento, partido ou candidato. Hoje eu gostaria de estudar com você como fazer quando somos “forçados” a viver em um contexto ou sob um governo que, na nossa opinião, é iníquo.
A realidade de um sistema com o qual não concordamos, longe de ser algo inédito, parece ser a experiência mais comum na história humana.
Esta curiosamente não é uma situação nova ou rara para seres humanos, cristãos ou não. Com muito mais frequência somos forçados a viver em situações que nos frustram e nas quais nos sentimos injustiçados. É certo que uma parcela significativa da igreja do primeiro século era composta por escravos que certamente não queriam viver naquelas condições. O povo de Israel também passou várias vezes por situações de opressão. A realidade de um sistema com o qual não concordamos, longe de ser algo inédito, parece ser a experiência mais comum na história humana. Com isso não estou propondo uma postura resignada e fatalista, mas uma postura de fé. Nesta semana, passei por um texto que me desafiou novamente a uma postura que contrasta com o que temos visto e me parece apropriada a um exame mais cuidadoso nestes dias.
“Construam casas e habitem nelas; plantem jardins e comam de seus frutos. Casem-se e tenham filhos e filhas; escolham mulheres para casar-se com seus filhos e deem as suas filhas em casamento, para que também tenham filhos e filhas. Multipliquem-se e não diminuam. Busquem a prosperidade da cidade para a qual eu os deportei e orem ao Senhor em favor dela, porque a prosperidade de vocês depende da prosperidade dela”. Porque assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel: “Não deixem que os profetas e adivinhos que há no meio de vocês os enganem. Não deem atenção aos sonhos que vocês os encorajam a terem. Eles estão profetizando mentiras em meu nome. Eu não os enviei”, declara o Senhor. Assim diz o Senhor: “Quando se completarem os setenta anos da Babilônia, eu cumprirei a minha promessa em favor de vocês, de trazê-los de volta para este lugar. Porque sou eu que conheço os planos que tenho para vocês”, diz o Senhor, “planos de fazê-los prosperar e não de causar dano, planos de dar a vocês esperança e um futuro”. (Jeremias 29.5-11)
Esta foi uma profecia de Jeremias em um período em que o povo de Deus estava colhendo consequências de uma longa série de escolhas erradas. Após séculos rejeitando a Deus, abandonando sua adoração, participando de cultos idólatras e mesmo matando os profetas, o reino do Sul, Judá, estava em um caos completo. Localizado entre superpotências da época, Judá havia ficado como uma presa disputada por estes poderosos impérios. Em um período de cerca de trinta anos, Judá passa por cinco reis e troca de lealdade entre Egito e Babilônia cerca de seis vezes. Impostos são cobrados e parte da população é exilada a cada novo dominador. No final, durante o reino de Joaquim, Jerusalém é destruída e a família real e todos os habitantes qualificados são deportados (cerca de dez mil). Apenas os mais pobres ficam na cidade destruída, com o templo queimado, sem defesas ou projeto de futuro (2Reis 24–25).
No meio desta situação, Jeremias recebeu uma palavra de Deus para passar ao rei e ao povo. Sua palavra era dura e parecia ser uma traição, pois Deus lhe pediu para falar ao povo que não resistisse ao inimigo, mas se entregasse a ele. Deus estava trazendo disciplina sobre o povo para que pudessem se arrepender de sua idolatria. Isso de forma nenhuma deveria consistir em uma surpresa para os judeus. Em praticamente todo registro da aliança de Deus com seu povo há uma longa descrição dos benefícios da fidelidade e as consequências e maldição da infidelidade. A promessa da misericórdia de Deus também estava sempre presente (por exemplo Josué 24).
Para alguns crentes, Deus parece ser obrigado a protegê-los de todo o mal, mesmo do mal que eles mesmos provocam.
No entanto, infelizmente os sacerdotes e líderes religiosos de Judá passaram a confiar tanto nas promessas de restauração, ignorando as consequências de seus atos, que rejeitavam a realidade das consequências que estavam colhendo. Rei após rei rejeitou as profecias de Jeremias, tratando-o com hostilidade e até mesmo prisão. Reis contratavam profetas que falassem o que interessava ao rei, sempre afirmando que eram profetas de Deus. Infelizmente este quadro é estranhamente familiar, tanto na batalha de informações verdadeiras e falsas que são lançadas o tempo todo como no costume de cristãos que, uma vez confrontados em uma igreja, logo buscam outra que se “encaixe” melhor em suas preferências. Tenho conhecido cristãos que agem tolamente, não cumprem seus compromissos e mais tarde lamentam a “falta de cuidado de Deus”. Para estes Deus parece ser obrigado a protegê-los de todo o mal, mesmo do mal que eles mesmos provocam.
De que forma este texto pode nos ajudar? O povo estava vivendo sob um império estrangeiro, um regime opressivo, pagão, idólatra e não tinha condições de fazer nada para mudar este governo. Isso era resultado de suas escolhas anteriores, mas o fato é que mesmo um judeu fiel e temente a Deus era forçado a viver nas mesmas condições. Talvez esta venha a ser a sua situação a partir deste domingo – ou melhor, do início do próximo ano. Talvez você se julgue injustiçado pela escolha que outros fizeram por você. Certamente muitos de nós nos veremos nesta condição. Muitos vão alegar que não escolheram este ou aquele candidato; outros, se a história recente se repetir, logo estarão profundamente arrependidos dos candidatos em que votaram.
Diante disso, Jeremias escreve o texto acima e o envia para a corte e para o povo. Quais são os princípios que podemos aprender? Como se comportar quando nos sentimos como que vivendo no exílio, sob um governo que não pedimos ou concordamos, em circunstâncias que contrariam o que cremos ou sonhamos?
- A vida continua (Jeremias 29.5-6). Vivam a vida comum, sigam trabalhando, vivendo e se relacionando. Caso um governo que na sua opinião seja maligno for instalado, não devemos parar nosso modo de viver ou suspender qualquer atividade. Nosso chamado é continuar e, por meio de nossa vida em circunstâncias não ideais, manifestar nossa esperança em Deus.
- Orem e trabalhem pela prosperidade de seu país (Jeremias 29.7). Infelizmente é comum que pessoas que se sentem derrotadas em eleições assumam uma postura de “quanto pior, melhor”, entendendo que agindo assim mostrarão sua discordância com a situação. O povo de Judá foi desafiado a ver que esta situação fazia parte do plano de Deus para eles. A mensagem incentivava os judeus a investirem no progresso da cidade para onde foram deportados, pois este progresso iria abençoá-los também. Mesmo se o resultado das eleições for contrário ao seu entendimento, trabalhe, ore pelo nosso país, contribua para que as coisas melhorem, continue a ser uma presença ativa e positiva. Não importa quem ganhe a eleição, seja uma benção no lugar onde vive.
- Cuidado com falsos profetas (Jeremias 29.8-9). Seja cuidadoso quanto ao que você ouve e o que consola você. Na profecia de Jeremias havia uma promessa de restauração futura. No entanto, eles só viam o momento, e o contexto era o contrário do que esperavam. Por isso, não é surpresa que em sua desesperança o povo ouvisse, incentivasse e até mesmo contratasse profetas para falar o que queriam ouvir. Estes profetas anunciavam coisas que Deus não havia prometido, soluções que eram agradáveis mas irreais. Este era um tempo de disciplina para a nação de Israel – e talvez seja o mesmo para nós. Deus disciplina a quem ama e certamente Deus ama o povo brasileiro. Não importa o resultado das eleições, o resultado não será tudo o que gostaríamos. No entanto, temos a garantia dada por Deus de que ele continua no controle e de que seu plano não pode ser frustrado.
- Mantenha o foco nas promessas (Jeremias 29.10-11). Para o povo de Israel havia uma promessa de que após determinado tempo Deus iria resgatar sua nação. Como cristãos temos uma promessa muito maior, mas que não se refere a esta nação. Nos foi prometido que Cristo mesmo vai voltar para nos buscar (João 14.1-4). Esta promessa é enfatizada quando Deus reafirma tanto sua autoridade como seu interesse naquilo que é melhor para nós. Isso não significa ficarmos apáticos, mas continuarmos vivendo com graça e esperança, mesmo em situações adversas.
Minha sincera oração é que pessoas mais tementes a Deus assumam o governo. Não somente para que meus interesses sejam protegidos, mas porque eu creio que pessoas tementes a Deus farão um governo melhor para nosso país do que pessoas que promovem a impiedade. Há uma exceção a este princípio: é quando Deus quer trazer disciplina sobre uma nação. Neste caso, ele levanta pessoas iníquas que farão o mal prosperar e assim talvez o povo aprenda a confiar em Deus. Em momentos conturbados, nossa esperança é no Deus que afirma:
O Senhor desfaz os planos das nações e frustra os propósitos dos povos. Mas os planos do Senhor permanecem para sempre, os propósitos do seu coração, por todas as gerações. Como é feliz a nação que tem o Senhor como Deus, o povo que ele escolheu para lhe pertencer! (Salmo 33.10-12)