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‘Fizeram um massacre, perdi muitos alunos’, diz professor brasileiro que mora ao lado da Faixa de Gaza
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“Eu estava em casa com a minha família, sábado de manhã, e o telefone começou a tocar logo depois das sirenes, e a gente acordou meio sem controle, com muito alarme, em seguida a gente viu que eles tinham entrado”, contou ao g1 o professor de capoeira Francisco das Chagas, que vive em Ein HaBesor, em Israel, a menos de dez quilômetros da fronteira com Gaza.
Natural de Jericoacoara, no Ceará, Francisco vive em Israel desde 2003. Ele é casado com uma israelense e tem três filhos, de 15, 10 e 8 anos. Estavam todos em casa quando teve início o ataque do grupo extremista islâmico Hamas, a maior incursão que o país já sofreu.
“A gente entrou no quarto e recebemos a mensagem de que tinham entrado terroristas e que a gente tinha que se trancar, ficar dentro da casa, fechar as portas, ficar com a família, não sair. Tudo foi totalmente paralisado. As pessoas entraram em pânico, ninguém sabia exatamente o que tava acontecendo. E a gente começou a ver nas redes sociais que eles [Hamas] tinham dominado algumas comunidades perto da gente, que são os kibutz”, relembra.
Conhecido como Kiko, ele dá aulas de capoeira nas comunidades da região – essencialmente, a área é composta de kibutz e moshavs. Kibutz são propriedades agrícolas coletivas, em que os moradores dividem produção, propriedade e ferramentas. Os moshavs, como o que Kiko mora, são assentamentos rurais em que cada família mantém sua fazenda.
Perto do moshav Ein HaBesor, o Hamas invadiu o kibutz de Be’eri, onde foi registrado um dos piores massacres do conflito até agora: mais de 100 corpos foram encontrados apenas nesta comunidade, que possui cerca de 1.200 habitantes.
Moshav de Ein HaBesor, onde Francisco das Chagas vive, é próximo à fronteira com Gaza — Foto: g1
O conflito, que chega ao quarto dia nesta terça-feira (10), provocou a morte de ao menos 1.830 pessoas em Israel e na Faixa de Gaza. O governo israelense também afirmou que encontrou mais de 1.500 corpos de militantes do Hamas no território do país, o que elevaria o número de mortos para 3.330.
“Eles pegaram a população despreparada, teve um caos muito grande. Os policiais saíram para proteger, mas o exército levou um certo tempo para chegar”, conta.
Em Ein HaBesor, a população conseguiu se preparar para o ataque e defender o moshav. Quando começou a troca de tiros, Francisco e sua família já haviam corrido para o mamad, como são chamados os quartos antibomba que as casas israelenses são obrigadas a ter.
“Eles chegaram até nós, os terroristas, mas eles foram eliminados na entrada da comunidade. Nossos vizinhos, amigos da gente, saíram para fazer a proteção, trocaram tiros, alguns foram feridos, mas conseguiram manter a segurança do moshav”, relatou o professor cearense.
Apesar do ataque ter sido repelido, Francisco e sua família passaram o sábado inteiro no mamad e inclusive dormiram lá. No domingo (8), por volta das 10 horas da manhã, eles deixaram a casa em Ein HaBesor e foram para um abrigo das Forças Armadas mais ao sul, distante da área atacada.
Moshav de Ein HeBasor, onde Francisco mora com a esposa e três filhos — Foto: Arquivo pessoal
Conforme Francisco, os moradores das comunidades próximo à Gaza mantêm aplicativos de grupos para se comunicar diante destas situações. Pouco depois do ataque, o professor descobriu que muitos de seus alunos ou familiares dos alunos haviam sido mortos pelo Hamas.
“Por ter dominado as comunidades, eles fizeram um massacre muito grande, matando pais na frente das crianças, matando filhos na frente dos pais. Tô muito ruim. Perdi muitos alunos, muitos alunos meus perderam os pais. Uma criança de 6 anos, aluna minha, mataram o pai e a mãe na frente dela. Dois alunos meus estão reféns na Faixa de Gaza”, afirma Francisco.
Morando em Israel há 20 anos, o professor já presenciou outros conflitos, como a Guerra do Líbano em 2006 e as guerras com Gaza – em 2008, 2012, 2014 -, no entanto, nenhum dessa magnitude.
Nesta terça-feira (10), a família continua no refúgio, longe de casa, “bem e esperando esse pesadelo passar”. Apesar do medo, a família, por ora, não tem planos de deixar Israel e vir para o Brasil, embora mantenha a opção na mesa.
“Nos primeiros dias do ataque, a gente tava um pouco confuso. A gente tem essa opção, que é o segundo país, chegamos a pensar, mas é um pouco complexo, o trabalho, a vida que a gente tem aqui, começar tudo de novo no Brasil é mais complicado. A gente tá um pouco otimista que as coisas vão acabar bem. Mas, por outro lado, estou preparado […], observando a situação, se ficar mais crítica, se ficar realmente perigoso pra gente”, completa.
Natural de Jijoca de Jericoacoara, Francisco é casado com uma israelense e vive em Israel desde 2003 — Foto: Arquivo pessoal