Mato Grosso
“Parece mais fácil matar bebê na barriga do que punir bandido”
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Ex-comandante da Polícia Militar de Mato Grosso, o deputado federal Coronel Assis (União) acredita que é hora do Brasil discutir o instituto da prisão perpétua para certos bandidos.
A análise foi feita pelo parlamentar na semana que bandidos fortemente armados provocaram o terror em Confresa, invadindo uma base da PM e uma unidade da empresa de transporte de valores Brink’s.
“O Brasil precisa ter coragem de discutir, por exemplo, pena de prisão perpétua. Todas as grandes democracias ocidentais têm prisão perpétua”, diz.
Conforme o deputado, ao invés de debater temas que possam reduzir a criminalidade, o Brasil prefere tratar de temas da agenda progressista.
“Preferimos ficar discutindo liberação de aborto, porque parece que é mais fácil matar uma criança na barriga de uma mulher do que punir um criminoso que cometeu um crime dessa magnitude”, afirma.
MidiaNews – Nesta semana bandidos do Novo Cangaço voltaram a agir em Mato Grosso. A que o senhor atribuiu essa nova ação?
Coronel Assis – O que aconteceu lá em Confresa é um reflexo do que vem acontecendo no Brasil. Infelizmente, hoje o sentimento de impunidade que impera no coração dos criminosos é o fator decisivo para que mais ações como essas aconteçam. Uma ação extremamente planejada, muito bem orquestrada, 20 criminosos fortemente armados com armas de alto poder ofensivos. Eles têm fuzil 762, .30, .50, armas que derrubam aeronaves.
Então, é uma grande ação orquestrada pelo crime organizado no sentido de se obter o que eles mais querem: lucro e dinheiro. E valendo-se da distância, até mesmo a questão do horário, já que aconteceu no início do período vespertino, justamente sabendo que a questão da mobilização da nossa tropa tem um aparato logístico também por parte do Estado, e à noite não temos iluminação ali na região, então a tropa ia chegar ao final da tarde. Eles pensaram em tudo isso.
MidiaNews – O que falta para evitar esse tipo de crime?
Coronel Assis – Enquanto nós estivermos sendo reativos, enquanto não tivermos por parte do Governo Federal uma política nacional de combate às organizações criminosas, eu acho que ficaremos assim, sempre trabalhando na reação. Graças a Deus que a nossa Polícia é muito preparada e se juntou com polícias do Pará, Goiás, Tocantins e promoveram uma ação de resposta muito bem dada. Mas e se não tivéssemos essa capacidade? Estaremos ainda à mercê desse tipo de ação. Mas a gente precisa melhorar e, para isso, precisamos ter [projetos] na política nacional. O Governo Federal, através do Ministério da Segurança Pública e da Justiça, tem que criar essa política e encarar esse problema de frente com seriedade. Tem que criar um grande projeto para atacar a estrutura dessas organizações criminosas.
Como eu disse, 20 pessoas com armamento diferenciado, postura tática diferenciada, um planejamento… Tudo isso tem uma mentoria intelectual e logística, financiamento… E quem faz isso tem estrutura. Então nós precisamos atacar essas estruturas e, claro, o Governo precisa apresentar aqui no Congresso e o Congresso também precisa fazer, por iniciativa própria, a começar ter uma legislação que possa não só trancafiar esse pessoal, mas atacar e desestruturar o seu financeiro, porque é isso que eles querem. Ninguém atacou ali uma empresa de valores pra pegar gado, é dinheiro.
MidiaNews – Na última ação do Novo Cangaço, em Nova Bandeirantes, o senhor era comandante geral da PM. Naquela ocasião, quase todos os bandidos foram mortos ou presos. Acha que haverá o mesmo êxito?
Coronel Assis – [Na ação de domingo] o planejamento que os criminosos fizeram foi muito mais elaborado. Porém, eu acredito e tenho fé que teremos mais desdobramentos ainda. Se nós formos pegar o exemplo de Nova Bandeirantes, ficamos 58 dias a campo. Então, nós não estamos há seis dias do crime e já conseguimos recuperar quase todas armas, dois criminosos mortos, dois presos e já houve uma desestruturação nesse planejamento. Acredito que a persistência e experiência que a polícia tem hoje ainda vai trazer bons resultados.
MidiaNews – O senhor sempre foi um policial operacional. Qual a grande dificuldade em ações como essa, de caçada de bandidos perigosos na mata?
Coronel Assis – Tudo acaba tendo as vantagens para os criminosos e nós, através de nossas técnicas e protocolos que desenvolvemos, tentamos diminuir essa vantagem, como por exemplo, adentrar na mata e ficar lá. A gente tenta equalizar isso e trazer um resultado aceitável. Mas tudo é complicado.
O Estado tem uma dimensão continental. A nossa tropa especializada de operações especiais e operações aéreas leva um tempo de deslocamento até lá. Nisso, o criminoso ganha vantagem para fuga. Também tem muita estrada vicinal, muitos acessos e saídas para outros estados. Por isso começamos a trabalhar a questão do protocolo de barreiras, de enfrentamento, ainda mais porque existe, às vezes, uma confusão de informações via aplicativos. Mas tudo isso é muito bem depurado, muito bem avaliado pelas nossas equipes de inteligência. Até nosso chefe da inteligência está na região acompanhando de perto. A gente vai ter bons resultados ainda.
MidiaNews – Não acha que um setor de inteligência mais bem equipado conseguiria evitar o crime em Confresa? Coronel Assis – Por mais que você possua a questão da inteligência, você vai ter informações limitadas. Os caras são profissionais. A maioria que foi qualificada até agora é de São Paulo. Nós temos histórico desse tipo de ações de domínios de cidade no interior de São Paulo, Minas e Para, que são estados que fazem a facilidade daqueles que promovam essas ações criminosas. Mas claro que um investimento inteligente é necessário. O Governo faz e a ideia é justamente trabalhar a informação. Mas as organizações criminosas possuem também um grande compartilhamento de informações. Então eles vão ter uma ação dessas muito bem orquestrada e planejada. Por isso que não adianta a gente ficar só na reatividade. Nós nos tornamos bons nisso, mas a questão é que esses mesmos criminosos estão nessa ação por opção, porque ninguém é vítima da sociedade, ninguém está, num crime como esse de Confresa, por falta de oportunidade na vida. Muito pelo contrário, eles estão por opção. Que eles sintam temor e que sintam a mão do Estado caso aconteça uma situação dessas.
MidiaNews – Como deputado federal, o senhor agora tem competência para legislar sobre Direito Penal. O que acha que precisa mudar para punir com mais rigor estes bandidos do Novo Cangaço?
Coronel Assis – Foi um compromisso de campanha combater a impunidade. Para combater, o Brasil precisa acordar pra essa questão e precisa de uma grande revisão de arcabouço penal. Eu fiz um requerimento para que fosse reformado e é um tipo de matéria que está na Casa tramitando há quase dez anos. A gente precisa promover uma revisão no Código Penal Brasileiro, no sentido de promover um endurecimento. Se você pegar as pessoas que morreram, que foram presas, a qualificação deles têm uma lista criminal extensa. Como eles têm essa lista extensa e estão soltos? Por conta da impunidade. Nós precisamos fazer isso.
MidiaNews – Está conseguindo encaminhar essas propostas?
Coronel Assis – A nossa luta na Câmara dos Deputados é tentar conscientizar e trazer mais as pessoas através da questão da segurança pública e combate ao crime organizado. Algumas sinalizações já passam a acontecer. Já saiu praticamente uma CPMI do Crime organizado com dez assinaturas a mais lá no Senado e aqui [na Câmara] também já temos quase todas as assinaturas. O Brasil não aguenta mais viver da forma que estamos vivendo. Precisamos, sim, dessa revisão e precisamos conscientizar esse arcabouço no sentindo de melhorar. E vou mais além: o Brasil precisa ter coragem de discutir, por exemplo, pena de prisão perpétua. Todas as grandes democracias ocidentais têm prisão perpétua. Tem democracia que tem até pena de morte, mas parece que aqui no Brasil não se deve discutir isso. Preferimos ficar discutindo liberação de aborto, porque parece que é mais fácil matar uma criança na barriga de uma mulher do que punir um criminoso que cometeu um crime dessa magnitude.
MidiaNews – Está havendo uma inversão de prioridades?
Coronel Assis – Querem liberar as drogas. Imagina quantas famílias serão afetadas com a liberação das drogas? Quantas “cracolândias” irão surgir com a liberação das drogas? E as pessoas falam “ah, não, mas nós vamos recolher imposto se a gente liberar”. Você acha que as grandes organizações criminosas que atuam na Baixada Cuiabana, que atuam em São Paulo, vão querer pagar imposto? Claro que não! A cocaína, o cigarro de maconha que eles vendem na loja deles vão se vender milhares ilegalmente, porque depois que a maconha virar fumaça, como que vão fiscalizar se ela é legal ou não? Depois que o cara cheirou a cocaína, se é legal ou não. Se você fizer um paralelo, o contrabando do cigarro não parou. Continua do mesmo jeito. O Brasil precisa acordar. Nós precisamos promover essa revisão e estabelecer penas severas para quem cometer certos crimes. Senão vamos ficar naquela velha máxima: a polícia prende, a lei solta. Máximas que o cidadão não aguenta mais. Tem uma frase que diz: “Se a sociedade não possui regras duras, claras e civilizadas, ela vai ser a barbárie”. E eu não digo que nós estamos beirando a barbárie, nós já vivemos a barbárie. Porque a partir do momento que nós temos 20 criminosos invadindo uma pequena cidade, parando todo o Estado, que mobiliza toda a sua força policial, a barbárie já está pronta. Se a facção criminosa mata uma pessoa lá em Lucas do Rio Verde, corta a cabeça dessa pessoa e joga no meio da rua, a barbárie já está aí. A partir do momento que pega uma menina de 15 anos em Tangará da Serra e corta a língua dela porque talvez ela não queira dar uma localização, já vivemos a barbárie.
MidiaNews – O senhor defende pena de morte para certos crimes?
Coronel Assis – Eu acho que nós temos que ter coragem para discutir isso. Não sei se a pena de morte vai resolver alguma coisa. Talvez, não. A prisão perpétua talvez possa ser um caminho. Digo mais: vamos trabalhar o tempo integral das penas. Pegando um exemplo pequeno: o camarada que matou sete pessoas lá em Sinop, inclusive uma menina de 12 anos. Esse homem vai ser condenado, a sei lá, 140 anos de prisão. Por se tratar de um crime hediondo, é no máximo 40 anos [de cadeia]. Só que ele vai cumprir um percentual desses 40 anos e já vai ter direito a progressão de regime. Aí eu pergunto: será que isso é justo? É o que queremos para a sociedade brasileira? Será que isso alimenta ou não alimenta o sentimento de impunidade do criminoso?
MidiaNews – O senhor tomou posse em 1º de fevereiro e está há menos de três meses como deputado federal. Quais são suas primeiras impressões sobre o trabalho na Câmara?
Coronel Assis – Pra mim, é experiência nova. Gosto de falar que eu exerci durante 28 anos e 3 meses da minha vida, um jovem de 18 anos que passando no vestibular e ingressou em uma instituição como a Polícia Militar -, que é regimentada, baseada na disciplina e hierarquia com certas situações extremamente protocolar -, quando chega aqui você está em um cenário totalmente diferente. É um cenário político, onde você precisa buscar apoio, você precisa trabalhar com pessoas que, às vezes, têm um posicionamento político diferente do seu. Na verdade, isso faz parte da democracia. Eu acredito que já houve muitas sinalizações por parte dos parlamentares no sentido de tentar “refrear” essa questão da impunidade, da violência. A gente sabe que a segurança é um dos principais problemas enfrentados no Brasil. Tanto que vocês noticiam pessoas morrendo diariamente, se entregando ao crime, às drogas… Se a gente que está aqui dentro na Câmara e tem essa voz, vamos tentar colaborar e tentar mudar isso. É um tema para se tratar nessa legislatura, mas, como disse, não é tarefa fácil.
MidiaNews – Ao contrário de seus dois primeiros governos, o presidente Lula tem agora uma oposição bastante forte. Acha que ele terá dificuldade de governar nestes quatro anos?
Coronel Assis – Já tivemos várias sinalizações. A CPI do MST é uma sinalização muito latente, a CPI do 8 de janeiro, temos aí grandes esforços legislativos sendo feitos na questão da CPI do Crime Organizado. Acredito que sejam sinalizações de que o governo não possui uma unanimidade aqui, como ocorreu no primeiro governo do Lula, no segundo governo, no governo da Dilma… Acredito que [naquela época] não teríamos essa capacidade de articulação para promover esses debates e comissões parlamentares.
Midianews – Como avalia os primeiros 100 dias de governo?
Coronel Assis – Deixa muito a desejar. São várias pautas em que não há resposta. Eu tenho feito até um top 15 de situações que realmente o governo deixou a desejar nesses 100 dias e, claro, que nós estaremos aqui para cobrá-lo. Para mim está pouco, ainda mais na questão da segurança pública. Estamos vendo alguém mais preocupado em destruir o setor como está acontecendo na questão do armamento civil do que combater a questão do crime organizado ou essa questão dos ataques em escolas, e isso gera uma passividade ruim para o brasileiro.
Midianews – O acha que ele tem condições de combater o crime organizado?
Coronel Assis – Se o governo quiser realmente combater e promover uma política nacional que reflita nos estados, basta a vontade de querer fazer. Mas temos que ver como é o posicionamento dessa atual gestão em torno disso, porque tudo gira em torno da organização criminosa. Tráfico de drogas? Organização criminosa. Invasão? Organização criminosa. Tudo em torno do crime é isso. E a gente precisa trabalhar dentro dessa linha. Para se ter uma ideia, nos 100 dias do governo Lula e nós tivemos intervenção no Distrito Federal, ataques ao Banco Central, destruição das vendas estatais, criação de órgão estatal para checagem de fake news, parada de navios iranianos lá no Rio de Janeiro, sugestão do ministro do Estado para colocar os Correios no lugar do Uber, sugestão do mesmo ministro para que pudéssemos descriminalizar as drogas para poder diminuir a população carcerária no País. E a cereja do bolo: a questão do arcabouço fiscal, que parece que é o primeiro plano econômico do Planeta Terra que só existe no PowerPoint. Se a gente fala alguma coisa, [dizem que] o texto não está pronto. Precisamos descortinar essas coisas que nos primeiros 100 dias do governo Lula estão deixando a desejar. Mas é claro que nós não torcemos negativamente, de maneira alguma. Eu sou patriota e torço para que meu País dê certo. Quero que o cidadão brasileiro vença na vida.
Midianews – Recentemente a oposição protocolou um superperdido de impeachment contra o presidente. O senhor acredita que já existam condições de se abrir um processo de impeachment? Se sim, não temem que possa criar uma instabilidade política no País?
Coronel Assis – Acredito que não [cria instabilidade]. Se pegarmos, por exemplo, a postura da situação hoje que foi oposição por muitos anos em Brasília , eles protocolizaram inúmeros pedidos de impeachment. Então, eu acredito que faz parte da política do Brasil. É democrático fazer o pedido. Agora, lógico cabe à Presidência da Casa colocar isso para frente ou não. Mas é perfeitamente natural. A oposição tem esse papel de fazer essas proposituras, como sempre fez.
MIDIA NEWS