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Diretor de “A Palestina Brasileira” conta que reviveu ditaduras do Cone Sul ao filmar em Israel


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Nesta quarta, 8, co­meça o 13º fes­tival de ci­nema Árabe, pro­mo­vido pelo Ins­ti­tuto de Cul­tura Árabe e que exi­birá 23 pro­du­ções dos países da co­mu­ni­dade até o dia 27. Um dos des­ta­ques será “A Pa­les­tina Bra­si­leira”, de Omar de Barros Filho: a partir do re­trato da vida das fa­mí­lias pa­les­tinas que vivem no Rio Grande do Sul, faz uma co­nexão com a vida dos pa­les­tinos sob o cerco de Is­rael, a re­gis­trar as lem­branças e es­forços para a ma­nu­tenção dos laços com a terra natal.  

“(o filme) Criou uma em­patia grande com a co­mu­ni­dade pa­les­tina e, mesmo para além dela, em pes­soas que se in­te­ressam pela si­tu­ação deste povo, que vive cerco, per­se­guição e apartheid. Um pro­blema grave que a hu­ma­ni­dade pre­cisa dar mais atenção”, re­sumiu Omar, que segue na di­vul­gação do do­cu­men­tário, exi­bido apenas na TV fe­chada após seu lan­ça­mento em ja­neiro.

Na con­versa, Omar conta de­ta­lhes de sua vi­agem aos ter­ri­tó­rios ocu­pados e go­ver­nados pelo Es­tado is­ra­e­lense, o agra­va­mento no­tório das con­di­ções de vida dos árabes e traça pa­ra­lelos com o que viveu du­rante os anos das di­ta­duras mi­li­tares na Amé­rica do Sul a partir da ex­pe­ri­ência de filmar em Ra­mallah. Para ele, en­quanto se vende como a única de­mo­cracia da re­gião a ver­dade mostra um Es­tado que me­rece ser de­fi­nido do mesmo modo da África do Sul dos anos pré-Man­dela.

“Es­tado fas­cista não é porque não tem apoio das massas como os es­tados nazi ou facho ti­veram na época (…) O re­gime é du­rís­simo, não res­peita nada, não res­peita a li­ber­dade in­di­vi­dual, as pro­pri­e­dades das fa­mí­lias… Nada. Faz o que quer na hora que quer. Basta ver o que acon­tece em Gaza, um mas­sacre hor­ro­roso, frio, cal­cu­lista, desde abril. São mais de 40 jor­na­listas árabes presos em Is­rael. É um re­gime ex­tre­ma­mente duro, cada dia mais feroz e agres­sivo, também por in­fluência e apoio de Trump”, cri­ticou.

A en­tre­vista com­pleta com Omar de Barros pode ser lida a se­guir.

Cor­reio da Ci­da­dania: Em pri­meiro lugar, o que pode contar da pro­dução do do­cu­men­tário A Pa­les­tina Bra­si­leira e seu cerne?

Omar de Barros: A origem do do­cu­men­tário nasceu de uma vi­agem a An­da­luzia, onde a pre­sença árabe é mar­cante até hoje, mesmo sé­culos de­pois de terem dei­xado a re­gião. Voltei ao Brasil in­quieto e pro­curei algum lugar para jogar uma ân­cora que me per­mi­tisse falar da si­tu­ação so­cial do mundo árabe. Um dia vi a no­tícia a dizer que no Rio Grande do Sul es­tava a maior po­pu­lação pa­les­tina no Brasil. Um fato novo que quase nin­guém co­nhecia e que me serviu de ponto de par­tida. A co­mu­ni­dade sempre foi in­vi­sível no Es­tado. Passei a pes­quisar mais as fa­mí­lias, con­versei com elas e che­gamos a um ro­teiro, que tratou de cons­tatar como até hoje mantêm laços com a Pa­les­tina.

Cor­reio da Ci­da­dania: Quais as mai­ores di­fi­cul­dades para pro­duzir o filme? 

Omar de Barros: O que mais me deixou in­se­guro é se seria aceito ou en­ten­dido nas mi­nhas in­ten­ções, por ser de fora da co­mu­ni­dade. A partir de certo mo­mento pude me sentir se­guro, pois vi que as fa­mí­lias es­tavam dis­postas a falar, ti­nham in­te­resse não só em re­latar a pró­pria his­tória, mas também apre­sentar seu status so­cial numa so­ci­e­dade até então es­tranha. 

A co­mu­ni­dade é im­por­tante no co­mércio gaúcho e eco­no­mias lo­cais, em es­pe­cial em ci­dades de fron­teira com Uru­guai e Ar­gen­tina. De fa­mília em fa­mília mon­tamos os perfis e iden­ti­fi­camos raízes que nos per­mi­tissem fazer a co­nexão com a Pa­les­tina, a fim de ve­ri­ficar até que ponto tal co­nexão é viva e per­ma­nente.

Cor­reio da Ci­da­dania: E a re­per­cussão por aqui?

Omar de Barros: Desde que o filme es­treou no canal Curta, em ja­neiro, passei a voltar as lo­ca­li­dades onde fil­mamos, para, de certa forma, prestar conta às fa­mí­lias. Agora, es­tendo as exi­bi­ções e fa­zemos ses­sões es­pe­ciais em ou­tras ci­dades da fron­teira, com grupos pa­les­tinos, es­tu­dantes… 

O filme é bas­tante bem re­ce­bido pelas co­mu­ni­dades, que se sen­tiram bem re­pre­sen­tadas e se emo­ci­onam em ver a terra natal mos­trada pelo do­cu­men­tário. O filme foi bem neste as­pecto. Criou uma em­patia grande com a co­mu­ni­dade pa­les­tina e, mesmo para além dela, em pes­soas que se in­te­ressam pela si­tu­ação deste povo, que vive cerco, per­se­guição e apartheid. Um pro­blema grave que a hu­ma­ni­dade pre­cisa dar mais atenção. 

Cor­reio da Ci­da­dania: Neste sen­tido, qual im­por­tância você atribui ao Fes­tival de Ci­nema Árabe, re­a­li­zado anu­al­mente em SP? 

Omar de Barros: O fes­tival é ex­tre­ma­mente im­por­tante para apro­ximar a cul­tura árabe da nossa. Quando fui con­vi­dado fi­quei muito feliz e hon­rado, porque a co­mu­ni­dade pa­les­tina re­al­mente pre­cisa ser me­lhor com­pre­en­dida e aten­dida em suas rei­vin­di­ca­ções. E para isso pre­cisa ser cada vez mais co­nhe­cida aqui no Brasil. O do­cu­men­tário cumpre o papel de apre­sentar a co­mu­ni­dade ao país. O fes­tival pro­mo­vido pelo Icá­rabe é uma ex­ce­lente oca­sião para este en­contro. In­clu­sive per­so­na­gens do filme ti­veram a ini­ci­a­tiva de vir a São Paulo pres­ti­giar. 

Cor­reio da Ci­da­dania: Sobre a Pa­les­tina e sua causa, como as en­xerga neste mo­mento em que se com­pletam 70 anos da fun­dação do Es­tado de Is­rael e da cha­mada Nakba, “a ca­tás­trofe” do povo pa­les­tino?

Omar de Barros: A Nakba está na origem da mi­gração das fa­mí­lias que vi­eram ao Brasil. Todas elas, de uma ou outra forma, so­freram tudo aquilo que se so­freu com a fun­dação do Es­tado de Is­rael. Muitos que fi­caram tam­pouco su­por­taram a si­tu­ação e aca­baram saindo da terra natal. Muitos pas­saram por tais an­gús­tias, hoje bem mais di­vul­gadas no mundo, antes de che­garem ao Brasil. 

A diás­pora pa­les­tina é um fenô­meno po­lí­tico e so­cial de grande porte, pois são mi­lhões de pa­les­tinos es­pa­lhados pelo mundo. E a Nakba está no cerne da his­tória de todos os per­so­na­gens, todos se re­ferem a este mo­mento como origem de todo o so­fri­mento. 

Uma das fa­mí­lias do filme é ex­pulsa de sua ci­dade natal em 1948, vai para o Iraque, cria novas raízes e de­pois da guerra de­cla­rada pelo go­verno Bush é ex­pulsa de novo. A fa­mília se es­palha, parte vai para um campo de re­fu­gi­ados na fron­teira com a Jor­dânia e de­pois é tra­zida como re­fu­giada ao Brasil. Um per­curso mais so­frido que os de­mais, uma his­tória de pes­soas que foram duas ou até três vezes re­fu­gi­adas, que em 70 anos não ti­veram um mo­mento de paz e tran­qui­li­dade. 

Um dos ad­vo­gados que apa­rece até hoje tenta con­se­guir a na­ci­o­na­li­dade bra­si­leira para um velho se­nhor re­tra­tado no filme, para dar apenas um exemplo da ex­tensão dos so­fri­mentos.

Cor­reio da Ci­da­dania: Como você ob­serva as re­centes mo­vi­men­ta­ções do Es­tado is­ra­e­lense? Mostra que pre­tende en­terrar a pos­si­bi­li­dade do Es­tado pa­les­tino por meio da es­tra­tégia do fato con­su­mado? 

Omar de Barros: A ideia dos dois Es­tados me pa­rece cada vez mais dis­tante. Is­rael pa­rece de fato de­ter­mi­nado a criar um Es­tado único na re­gião, judeu, tal como pro­cla­mado agora – um Es­tado na­ci­onal-si­o­nista.

Vemos um en­du­re­ci­mento de um Es­tado feroz e ex­tre­ma­mente agres­sivo, algo que se vê no co­ti­diano. É uma re­a­li­dade muito dura e um ho­ri­zonte com­pli­cado. Além de fazer o que faz em re­lação à Pa­les­tina in­ter­fere cla­ra­mente na Síria. O risco de uma nova guerra é bas­tante claro.

Cor­reio da Ci­da­dania: Deve-se con­si­derar Is­rael um es­tado fas­cista neste mo­mento?

Omar de Barros: Es­tado fas­cista não é porque não tem apoio das massas como os es­tados nazi ou facho ti­veram na época. Parte sig­ni­fi­ca­tiva da po­pu­lação de Is­rael é contra a si­tu­ação que o go­verno Ne­tanyahu criou. Não co­loco no mesmo saco dos Es­tados fas­cistas clás­sicos porque existem di­fe­renças entre par­celas sig­ni­fi­ca­tivas da so­ci­e­dade e o go­verno, apoiado por se­tores mais con­ser­va­dores. 

De qual­quer modo, o re­gime é du­rís­simo, não res­peita nada, não res­peita a li­ber­dade in­di­vi­dual, as pro­pri­e­dades das fa­mí­lias… Nada. Faz o que quer na hora que quer.

Basta ver o que acon­tece em Gaza, um mas­sacre hor­ro­roso, frio, cal­cu­lista, desde abril. São mais de 40 jor­na­listas árabes presos em Is­rael. É um re­gime ex­tre­ma­mente duro, cada dia mais feroz e agres­sivo, também por in­fluência e apoio de Trump. 

Cor­reio da Ci­da­dania: Você com­parou o que viveu na Pa­les­tina com as di­ta­duras do Cone Sul do nosso con­ti­nente. Como foi passar por Is­rael?

Omar de Barros: Nossa equipe de fil­magem passou si­tu­a­ções que não vi­víamos desde a di­ta­dura. Éramos quatro pes­soas e já no final da es­tadia, em Ra­mallah, ca­pital ad­mi­nis­tra­tiva da Pa­les­tina, de­pois de termos até man­dado a maior parte dos ar­quivos ao Brasil, quando numa ma­dru­gada, no hotel onde éramos pra­ti­ca­mente os únicos hós­pedes, a IDF (Is­rael De­fense Forces) in­vadiu e de­predou tudo; in­va­diram nosso apar­ta­mento, re­vis­taram todas as coisas, deram mar­re­tada na pa­rede, que­braram tudo, nos de­ti­veram com os fun­ci­o­ná­rios por vá­rias horas. 

Uma si­tu­ação an­gus­ti­ante, eles vi­eram com armas, ves­tidos pra guerra e no final saíram sem dar a menor ex­pli­cação, nem nos di­ri­giram a pa­lavra. Ti­raram fotos da nós, pe­diram os do­cu­mentos e saíram do hotel ati­rando bombas pra todo lado. No ae­ro­porto de Ben Gu­rion ainda con­fis­caram duas câ­meras nossas. Ba­si­ca­mente, dis­seram para nunca mais vol­tarmos lá.

Com­paro com a época das di­ta­duras, pois fui editor do jornal Versos, da im­prensa al­ter­na­tiva de São Paulo, de opo­sição ao re­gime, de­fensor do so­ci­a­lismo, dos di­reitos das po­pu­la­ções ne­gras no Brasil, da cri­ação de par­tidos po­lí­ticos dos tra­ba­lha­dores e que pre­gava a uni­dade dos povos la­tinos, quase todos eles sob di­ta­duras na época. 

Nossa re­dação também foi in­va­dida e de­pre­dada na época, do­cu­mentos e ar­quivos foram con­fis­cados e nunca mais de­vol­vidos, co­legas presos etc. Mas era uma di­ta­dura. Is­rael se apre­senta como “a única de­mo­cracia do Ori­ente Médio”. Uma grande con­tra­dição, pois como uma de­mo­cracia faz o que Is­rael faz na re­gião, im­plan­tando um es­tado de apartheid? É uma “de­mo­cracia” do mesmo perfil da África do Sul antes do Man­dela.  

Cor­reio da Ci­da­dania: Como en­xerga os po­si­ci­o­na­mentos da cha­mada co­mu­ni­dade in­ter­na­ci­onal e seus ór­gãos ins­ti­tu­ci­o­nais a este res­peito?

Omar de Barros: O que se vê é uma es­pécie de bolha de si­lêncio, di­gamos assim, em re­lação à si­tu­ação pa­les­tina. No filme en­tre­vis­tamos um di­plo­mata bra­si­leiro que co­or­dena um grupo de pa­les­tinos e ele fala cla­ra­mente que os pa­les­tinos bra­si­leiros que vivem lá re­pre­sentam o único con­tin­gente bra­si­leiro que vive sob as or­dens de uma di­ta­dura. Isto é, se co­me­terem algum crime ou in­fração podem ser le­vados a um jul­ga­mento mi­litar. Um ab­surdo.

Cor­reio da Ci­da­dania: Você tem novos tra­ba­lhos em mente ou em an­da­mento?

Omar de Barros: Sim. Agora quero fi­na­lizar um ro­teiro sobre árabes em si­tu­ação de re­fúgio pela Amé­rica La­tina. Em breve de­vemos ter no­vi­dades.

Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.

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