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A incrível história de Maximiliano de Habsburgo, primo de Dom Pedro 2º e último imperador do México


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Para alguns, ele foi o bode expiatório das ambições expansionistas da França. Para outros, não foi mais que um usurpador, colocado no trono do México por outro usurpador, Napoleão 3º, para cumprir seu projeto imperialista.

O fato é que a história do austríaco Maximiliano de Habsburgo e sua mulher Carlota, no chamado Segundo Império mexicano, foi um episódio trágico da história do México — e um dos mais curiosos da América Latina.

Primo do imperador brasileiro Dom Pedro 2º, Maximiliano era admirador do Brasil e sonhou com uma aliança regional entre os dois países, o que nunca se materializou. Jovem liberal, sabia pouco da realidade política no país que aceitou governar.

Mas o que levou um arquiduque austríaco e uma princesa belga a aceitarem o trono de um país no chamado Novo Mundo, marcado por profundas divisões e conflitos? Por que os mexicanos decidiram, naquele momento de sua história, que não poderiam governar sozinhos e aceitaram ser liderados por um aristocrata estrangeiro e desconhecido?

México: um ‘país em chamas’

Em maio de 1864, quando Maximiliano desembarca no porto de Veracruz, ele chegava a um país extremamente dividido e instável.

Já haviam se passado quatro décadas desde a independência mexicana da Espanha, e durante todo esse período a recém-formada nação soberana havia estado mergulhada em anos de profundas crises e divisões, como explica Héctor Zagal, professor de filosofia da Universidade Panamericana, à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC).

“Em 1864, o México havia perdido metade de seu território numa guerra com os Estados Unidos, já havia tido 27 presidentes, e a maioria deles não terminara seus mandatos.”

Zagal, autor do livro Império, que aborda os últimos dias de Maximiliano, acrescenta: “O México tinha enfrentado golpe de Estado, revoluções e finalmente uma guerra civil muito sangrenta. Além disso, estava literalmente falido”.

Essa sangrenta guerra civil, a Guerra da Reforma (1858-61) foi travada entre os dois grandes grupos que dividiam o país: os liberais e os conservadores. O conflito terminou com a derrota dos conservadores e com Benito Juárez, líder dos liberais, no posto de presidente do país.

Com a falência nacional, o presidente Juárez decidiu suspender o pagamento da dívida externa, medida que provoca uma intervenção das nações mais afetadas: Espanha, França e Reino Unido, que em 1862 enviaram expedições armadas a Veracruz.

Tanto a Espanha como o Reino Unido fizeram um acordo com Juárez e retiraram suas tropas. A França, no entanto, sob o reinado de Napoleão 3º, ordenou que seu Exército avançasse até a capital mexicana.

Como explica a professora Erika Pani, do Centro de Estudos Históricos do Colégio do México, a suspensão de pagamentos da dívida do México foi uma “desculpa ideal” para as ambições expansionistas de Napoleão 3º.

“Os EUA estavam totalmente consumidos por sua guerra civil [a Guerra de Secessão], e Napoleão 3º vê como factível seu velho sonho de restaurar a presença francesa no continente americano e colocar um ponto final no expansionismo anglo-saxão”, explica a historiadora.

Maximiliano de Habsburgo e sua mulher, Carlota

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,Maximiliano e Carlota trocaram o conforto de seu castelo na Itália pela aventura de governar o México

Além disso, os conservadores mexicanos, que haviam lutado e perdido contra os liberais, pediram ajuda à França para a restauração de seus antigos privilégios e defendem a instauração de um segundo império no México.

“Napoleão 3º escutou os conservadores mexicanos, que queriam que a salvação do país viesse de fora”, afirmou Pani à BBC News Mundo. “Eles decidiram que, como a República não funcionara no México, era necessário regressar ao governo monárquico, que acreditavam que eventualmente conseguiria colocar ordem no país.”

Maximiliano, um ‘candidato ideal’

Maximiliano de Habsburgo, irmão do imperador austríaco, Francisco José, era primo do imperador do Brasil, Dom Pedro 2º. Seu pai, o arquiduque Francisco Carlos da Áustria, era irmão de Maria Leopoldina, a imperatriz do primeiro reinado brasileiro e mãe de Dom Pedro 2º.

A proximidade de Dom Pedro 2º quase ficou ainda maior quando Maximiliano, em 1852, ficou noivo da princesa Maria Amélia. Irmã do imperador brasileiro, Maria Amélia nascera na França, filha da segunda mulher de Dom Pedro 1º, Amélia. O casamento, entretanto, não ocorreu, devido à morte de Maria Amélia por tuberculose em 1853.

Já casado com Carlota, Maximiliano desembarcou na Bahia em 1860 para visitar seu primo e viajar por dois meses em território brasileiro. A viagem, que incluiu Bahia, Rio de Janeiro e Espírito Santo, teve grande impacto no jovem austríaco, que a descreveu na obra Recollections of My Life (Lembranças da Minha Vida), publicada em inglês em 1868.

No capítulo dedicado à Bahia, Maximiliano descreveu o momento de sua chegada: “Este foi um daqueles momentos felizes em que um novo mundo, no sentido mais completo da palavra, abre-se diante de alguém; quando uma pessoa gostaria de ter cem olhos para abstrair as maravilhas desconhecidas que estão continuamente surgindo por todos os lados, quando em meio ao deleite surge um sentimento de tristeza porque não se pode absorver tudo, não se pode preservar tudo na lembrança”.

No México, as mudanças políticas que atrairiam Maximiliano vieram em 1863, quando as tropas francesas ocuparam a capital. Juárez e seu gabinete fugiram para o norte do país para tentar estabelecer uma estratégia para retomar o poder.

Com a derrota da república, os conservadores mexicanos viram uma oportunidade de reinstaurar a monarquia com um aristocrata europeu que lhes permitisse recuperar o poder e eliminar as leis reformistas liberais.

Napoleão 3º, que queria estreitar os laços com a Áustria, acreditava que Maximiliano de Habsburgo fosse o candidato ideal para ocupar o trono do México.

Os conservadores mexicanos apoiaram a proposta de Napoleão 3º, e uma comissão viajou a Trieste (Itália) para oferecer a coroa do México ao arquiduque.

“Os monarquistas mexicanos consideraram Maximiliano a pessoa ideal para proteger seus interesses: era um príncipe católico jovem, casado com uma filha do rei Leopoldo, da Bélgica, nação também católica e de grande influência na política internacional”, explica a antropóloga Glora Delgado de Cantú em seu livro História do México, Legado Histórico e Passado Recente.

“Eles confiavam que os arquiduques restituiriam ao clero mexicano os privilégios que o liberalismo juarista lhes havia tirado”, acrescenta ela.

Assim, em 28 de maio de 1864, desembarcaram no porto de Veracruz Maximiliano e sua mulher, Carlota, dando início ao Segundo Império do México.

Maximiliano ficou dependente do apoio da França, que abraçou o projeto de mudança de regime no México como uma aventura colonial, explica Héctor Zagal. “Esse segundo império estava apoiado nas tropas francesas, que ocupavam uma importante parte do México. Oferecer a coroa a Maximiliano de Habsburgo na verdade sugere que ele será um fantoche de Napoleão 3º.”

Um liberal ‘traidor’

O imperador tinha planos ambiciosos não apenas para o México, mas para a região. Ele sonhava com uma aliança com seu primo, o imperador Dom Pedro 2º, que faria de México e Brasil potências regionais, hegemônicas na América Latina.

Como imperador, ele se manteve próximo de Dom Pedro, com os dois países alinhando-se em temas de política externa — o México de Maximiliano apoiou o Brasil de Pedro quando o império brasileiro rompeu relações com o Reino Unido, em 1863.

Em pouco tempo, porém, Maximiliano começou a se desiludir e a perder o apoio dos conservadores que o haviam colocado no poder.

O imperador decidiu que não devolveria à Igreja os bens que haviam sido desapropriados pelas Leis da Reforma. Também defendeu várias das ideias políticas propostas pelos liberais durante o governo de Juárez: reformas agrárias, liberdade de religião e a extensão do direito ao voto.

Maximiliano de Habsburgo

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,No trono mexicano, Maximiliano decepcionou os conservadores, que o consideraram muito liberal e o chamaram de traidor

Maximiliano ainda restringiu as horas de trabalho e aboliu o trabalho infantil, além de demonstrar interesse pelas condições de vida dos indígenas nas fazendas dos grandes proprietários de terras.

O imperador logo passou a ser rejeitado por todos: os conservadores e o clero, que o viam como um traidor, e os liberais, que sempre o consideraram um invasor. Tampouco conseguiu obter o apoio do resto dos seus súditos mexicanos.

“Maximiliano era um homem de pouco caráter. Gastava muito dinheiro em obras, sem dúvida lindas, como a remodelação do Castelo de Chapultepec ou a Avenida dos Imperadores (hoje Avenida Reforma), mas não se dava conta de que financeiramente o império não era viável”, explica o professor da Universidade Panamericana.

“Ele tentou virar mexicano: vestia-se de charro [traje tradicional local], aprendeu espanhol, tentou obter a simpatia das comunidades indígenas e às vezes conseguiu.”

“Mas, no final, e isso Carlota lembra em uma carta, ele era um príncipe estrangeiro cuja força estava fundamentalmente nas tropas francesas”, acrescenta Zagal.

‘América para os americanos’

Em 1865, com o fim da guerra civil nos EUA, o presidente Andrew Johnson, invocando a Doutrina Monroe, opôs-se à presença da França no México e exerceu uma pressão maior para que Napoleão 3º retirasse suas tropas do país.

A França, ocupada em uma guerra contra a Prússia, retirou seu exército de terras mexicanas. Enquanto as tropas francesas se retiravam, Juárez e seus soldados liberais avançaram rumo à capital e, em 1866, recuperaram o controle do país.

Carlota viajou à Europa em busca do apoio de Napoleão 3º e do papa Pio 11, mas ambos se negam firmemente a ajudar o casal real mexicano. Maximiliano, já sem apoio dos franceses, tenta abdicar do trono, mas sua família o convence do contrário.

“Um Habsburgo nunca abdica, sob circunstância alguma”, lhe disse sua mãe, Sofia da Baviera, em uma carta. “O império acabou caindo como um castelo de cartas, que deixou talvez uma visão romântica, por trás da qual existe muito sangue”, afirma Zagal.

Castelo de Chapultepec

CRÉDITO,GETTY IMAGES

Legenda da foto,Maximiliano reformou o castelo Chapultepec para que se tornasse sua residência oficial

Três anos depois de haver empreendido sua aventura mexicana, Maximiliano foi detido e fuzilado, em maio de 1867, selando o triunfo da república liberal no México.

Segundo historiadores, esse trágico final levou a uma idealização das figuras de Maximiliano e Carlota, que seguem causando certo fascínio mais de 150 anos depois.

Um legado para o México

Mas o que esse episódio deixou para a história do México?

“O México teve uma série de invasões, como a dos Estados Unidos (1846 a 1848), que foi tão grave que alguns pensaram que poderiam perder o país”, explica Zagal, da Universidade Panamericana.

“Depois do segundo império, a experiência da República é restaurada, e surge a confiança de que o México será independente e não será uma colônia ou um protetorado de outro país.”

“Porque o México poderia ter se convertido em um protetorado, como países como a Índia, que no século 19 terminaram sendo colônias ou protetorados”, acrescenta o autor de Império.

A professora e historiadora Erika Pani concorda. “Acredito que o contundente triunfo republicano, contra o império e uma potência europeia, consolida sem dúvida o sentido de nação e vincula a república e a Constituição com a pátria.”

“Além disso, ao se desfazer desses personagens — que são muito vistosos —, [o recado é que] isto é o que acontece aos que vêm conquistar o México: o México os elimina. Europa, potências europeias: não creiam que o México seja um campo de colonização”, afirma Pani.

O que muitos seguem se perguntando, mesmo 154 anos depois, é por que esses ilustrados príncipes europeus aceitavam vir a um país tão dividido e mergulhado em conflitos?

Fuzilamento de Maximiliano

CRÉDITO,UNIVERSALIMAGESGROUP

Legenda da foto,Maximiliano foi preso e fuzilado em 1867, juntamente com dois de seus generais

Alguns historiadores creem que foram as ambições de Carlota que empurraram Maximiliano a aceitar a coroa do México. Mas os historiadores consultados pela BBC News Mundo acreditam que a razão foi tanto a ingenuidade como o desconhecimento da situação do México.

“Conservamos cartas que mostram que Maximiliano pensou que vir ao México seria como ir a Miramare [seu castelo em Trieste], colecionando insetos e mobília, navegando, construindo terraços”, afirma Zagal.

“Ele chega ao México com esse sonho de construir um castelo no estilo europeu sobre um antigo castelo mexicano, quando o país está em guerra, ardendo e empobrecido. Creio que bastava conhecer um pouco mais a história do país.”

Maximiliano e Carlota haviam sido vice-reis da Lombardia e de Veneto, regiões da Itália. Entretanto, foram retirados dos cargos depois que a relação entre Maximiliano e seu irmão, o imperador Francisco José, se deteriorou. O imperador considerava Maximiliano muito liberal, demasiadamente influenciado pelas ideias renovadoras da época.

O casal voltou ao castelo de Miramare — e o Império Áustrio-Húngaro perdeu o controle sobre suas posses na Itália. “Acredito que estivessem muito entediados em Miramare e apostaram na aventura [mexicana]”, diz Pani, do Centro de Estudos Históricos do Colégio do México.

“Mas também tem sua juventude. Maximiliano era um príncipe, o segundo filho, que chegou ao México aos 27 anos. Essa juventude poderia explicar por que foi tão pouco eficiente”, afirma ela.

“Talvez seja também o fato de não conhecer a realidade mexicana, que realmente era uma situação extremamente complexa. Isso talvez contribua para dizer que sim, porque ele não sabia que estava se metendo numa ‘camisa de 11 varas’ [uma enrascada] da qual era praticamente impossível sair.”

Bbc.com

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