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Medicina

Remédios emagrecedores podem causar efeito rebote e dependência


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“Quase entrei em coma três vezes, mas continuei a tomar os remédios todas as vezes em que foram proibidos.” A afirmação de Patricia Edwirges Carvalheiro, de 38 anos, que faz uso de medicamentos emagrecedores como anfepramona desde os 16, revela a complexidade da polêmica acerca dos anorexígenos, também chamados de inibidores de apetite, no Brasil.

Medicamentos da classe dos anfetamínicos – como mazindol, femproporex e anfepramona – chegaram como uma novidade para tratar a obesidade por meio da inibição do apetite no fim da década de 1990 e foram receitados em larga escala, até que os efeitos colaterais roubassem o protagonismo da perda rápida de peso.

Em 2011, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) retirou do mercado esses três medicamentos por entender que os riscos do uso superavam os benefícios do tratamento, além de tê-los considerados ineficazes.

“[Apresentaram] resultados absolutamente insatisfatórios no médio e longo prazo, além de trazerem efeitos colaterais que incluem risco de dependência, aumento da hipertensão arterial e problemas psiquiátricos, bem como outros danos ao cérebro e ao sistema cardiovascular”, disse a agência por meio de nota.

Recentemente, o STF (Supremo Tribunal Federal) vetou uma lei de 2017, aprovada pelo Congresso Federal, que permitia a comercialização e o uso de mazindol, femproporex, anfepramona e sibutramina sob receita médica específica. No entendimento da Corte, cabe somente à Anvisa decidir sobre o assunto.

No caso de Patrícia, dos 97 quilos que ela pesava ao iniciar o tratamento com anfepramona pela primeira vez, 30 foram perdidos em apenas um mês. O peso se manteve por um ano com a manutenção do medicamento, que foi sendo retirado aos poucos, até que o chamado efeito rebote apareceu.

“Comecei a engordar de novo. O efeito rebote sem o remédio é muito forte, você começa a querer comer até as paredes de tanta fome que dá. Fiquei um ano tentando me controlar com dieta, reeducação alimentar e exercício físico, mas a dependência que o remédio causa é também emocional. A anfepramona dá uma sensação muito grande de bem-estar e de disposição para fazer tudo, além de eu não sentir fome alguma”, afirma.

De lá para cá, ela também foi medicada com femproporex e sibutramina, mas manteve o uso da anfepramona, que ela consegue por meio de médicos que a receitam de forma ilegal ou a encaminham para laboratórios que produzem a fórmula, também ilegalmente.

“Com o femproporex, eu fico muito nervosa e estressada; com a sibutramina, não perco o apetite totalmente”, afirma.

Além de sempre recuperar os quilos que perde quando para com os medicamentos, Patrícia passou a conviver com efeitos colaterais como fraqueza e hipoglicemia, que a levaram ao quadro de início de coma três vezes, assim como fraqueza das unhas, queda dos cabelos, alterações na visão, erupções cutâneas e ansiedade.

“Na época [das crises de fraqueza que quase terminaram em coma], eu trabalhava em uma empresa onde operava máquinas; cheguei a dormir no banheiro por 40 minutos porque não tinha forças para voltar ao trabalho, e, quando ia ao médico, não tinha forças para ficar em pé”, conta.

Questionada sobre por que mantém o uso da medicação, Patrícia é categórica ao afirmar que é a única maneira de perder muito peso de forma rápida.

“Sem medicamento, eu demoraria muito para perder peso e não conseguiria controlar meu apetite, mas o remédio bloqueia a fome quase que instantaneamente. Quem toma pensa assim: ‘Depois que eu perder 10 quilos, eu paro’; mas não para”, ressalta.

Contraindicações

Segundo Patrícia, por ela ter mantido o uso da anfepramona por muito tempo, o remédio sozinho não faz mais efeito, então seu médico receita um composto com outros medicamentos, como laxantes, diuréticos e antidepressivos, para que ela consiga ter os efeitos de inibição de apetite e perda de peso desejados.

Acontece que a interação medicamentosa com remédios para tratar depressão e ansiedade é uma das contraindicações dos medicamentos da classe dos anfetamínicos, como a anfepramona, de acordo com o endocrinologista Nelson Vinicius Gonfinetti, do Instituto Castro e membro da Sbem (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia).

“Essa associação é proibida porque um medicamento potencializa o outro. Os emagrecedores só podem ser receitados se o paciente não tiver nenhuma doença como depressão ou ansiedade, porque não é recomendada nenhuma interação medicamentosa durante o tratamento”, afirma o especialista.

Além disso, os medicamentos são contraindicados para hipertensos, pessoas com problemas cardiovasculares, com glaucoma, com histórico de problemas psiquiátricos, entre outros casos.

“Tem muitas contraindicações, é um receituário muito restrito, porque essas medicações têm efeitos colaterais em nível cardíaco e podem piorar esses outros quadros”, afirma o médico.

Pacientes recuperam o peso sem a medicação

Pacientes recuperam o peso sem a medicação

REPRODUÇÃO/FREEPIK

Gonfinetti destaca que medicamentos como anfepramona, mazindol, femproporex e sibutramina atuam no sistema nervoso central, no hipotálamo, para inibir a fome. Quase todos, segundo ele, têm a característica de perder o efeito ao longo do tempo.

“Esse efeito de engordar depois de parar com o remédio é esperado. Temos que compreender a obesidade como sendo uma doença crônica, não uma doença para a qual se toma um antibiótico e se tem a cura. É como a hipertensão arterial e o diabetes: enquanto você dá a medicação, eles estão controlados; quando tira a medicação, eles voltam. Na obesidade, vamos sempre lidar com isso – se parar o remédio, a pessoa vai engordar de novo”, afirma o médico.

Controvérsias

Apesar de a Anvisa ter afirmado, por meio de nota, que a decisão de 2011 foi fundamentada em 170 trabalhos científicos, além de discussões técnicas, inclusive com outras agências regulatórias do mundo, a Sbem considera que os motivos para a suspensão dos medicamentos continuam desconhecidos.

“Pois não houve nenhum estudo ou dado novo relacionado com os medicamentos anfepramona, femproporex e mazindol que justificasse a cassação dos registros naquela ocasião”, disse a entidade por meio de nota.

Por outro lado, a nota da Anvisa indica que desde 2011 não há novos dados e que nenhum laboratório apresentou estudos clínicos que atribuíssem uma situação favorável ao uso desses medicamentos.

Apesar disso, a Sbem acredita que o STF decidiu acertadamente em preservar as prerrogativas da Anvisa ao derrubar a lei de 2017, que permitia novamente a comercialização dos anorexígenos.

“Que [a Anvisa] cumpra seu papel de forma cuidadosa, não incorrendo em resoluções arrebatadas, como a de 2011, que trouxe confusão para a população e pôs em risco o seu papel tão nobre e, até o momento, exemplar nas decisões relacionadas com medicamentos e vacinas para a Covid-19”, conclui a nota.

Assim como a Anvisa, a Sbem manteve a recomendação para o uso da sibutramina, de acordo com a dosagem máxima estabelecida, com limitação do tempo de tratamento, assinatura de termo de responsabilidade pelo médico prescritor e termo de ciência do paciente para o uso da medicação.

Alternativas à sibutramina

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O impasse entre a Anvisa e a Sbem revela a falta de consenso entre as comunidades médica e científica a respeito do uso dos remédios. Para a Sbem, a proibição desses medicamentos pode dificultar um tratamento eficiente dos pacientes com IMC (índice de massa corporal) superior ou igual a 30, o que define uma pessoa obesa, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).

“Muitos pacientes, por características biológicas, têm dificuldade para reduzir a ingestão, e os medicamentos antiobesidade permitem um consumo alimentar menor, com consequente perda de peso”, diz a nota da Sbem. “A obesidade é uma doença multifatorial, crônica, progressiva e recidivante. Não negligenciando a importância da atividade física, a redução da ingestão calórica visando gerar um balanço energético negativo é a base do tratamento dessa doença.”

Além disso, a entidade destaca que esses medicamentos são anorexígenos semelhantes à fentermina, prescrita para o tratamento da obesidade nos Estados Unidos, onde a anfepramona também é aprovada.

O endocrinologista Nelson Vinicius Gonfinetti ressalta que, além da sibutramina, um medicamento disponível no Brasil para inibir o apetite é a liraglutida, administrada de forma injetável.

“Mas é uma medicação muito cara, e muita gente não consegue manter o uso – as que foram proibidas têm custo mais baixo.”

Noticias.r7.com

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