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Os conceitos táticos que explicam o avassalador início de Renato no Flamengo
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Não espere comentários sobre tática ou estratégia. Renato Gaúcho não tem o costume de abrir o jogo sobre suas ideias, e nas seis vitórias no comando do Flamengo, repete mantras como “meu grupo jogou bem”. A última delas, o 3 a 1 no Corinthians, em São Paulo, foi prova de que o lema do técnico tem dado certo.
A forma como um treinador se expressa fala sobre sua postura perante ao treinador. Os elogios do elenco, que ressaltam a confiança trazida pelo técnico, falam sobre a já conhecida forma de conduzir o grupo de maneira transparente e serena.
Mas não falar sobre tática não significa que não exista tática. Pelo contrário: Renato tem uma ideia bem clara sobre como quer que o time jogue. Ideia essa que normalmente é explicada por emoções. “O time encanta e joga por música”. É uma sensação, uma emoção de quem admira o time, torce ou apenas gosta de futebol.
Lá dentro do Ninho, nos treinamentos que Renato teve – e que terá na semana livre, já que contra o ABC um time reserva viaja – o papo é outro. O técnico não pede para seus jogadores “encantarem e serem felizes”. Ele, assim como Jesus, Dome e Ceni, treina o time. Repassa seus conceitos um por um. Só não explica para nós, aqui de fora. Vamos entender esses conceitos, então.
O principal conceito que aparece nesse início de trabalho é o jogo apoiado.
Apoio nada mais é do que criar linhas de passe para que quem esteja com a bola consiga passar para frente. Existem vários tipos de apoio: o apoio curto, que é uma aproximação perto de quem está com a bola; o apoio longo, o apoio de retorno…abaixo, você vê Filipe Luís com a bola. Bruno Henrique, Arrascaeta e Diego se aproximaram para dar um apoio curto ao companheiro.
Flamengo joga com proximidade e movimentações constantes — Foto: Reprodução
Acontece em outros lugares do campo. Aqui, quando a jogada vai para outro lado, é Éverton Ribeiro quem dá o apoio para Gustavo Henrique.
Éverton Ribeiro dá apoio para Gustavo Henrique — Foto: Reprodução
E aqui, quem dá o apoio para o companheiro com a bola é Bruno Henrique.
Bruno Henrique é quem se aproxima — Foto: Reprodução
Percebeu que as aproximações são bem democráticas? Na primeira imagem, Diego estava aberto como um lateral. Depois retornou ao centro. Éverton aproximou do zagueiro e depois correu para frente. E Arrascaeta estava por dentro e depois foi ao lado. Renato não fixa um lugar de campo para que o apoio aconteça.
Essa é a principal diferença para Jesus, Dome e Ceni: enquanto antes havia uma estrutura até fixa, com muitas variações, com Renato não existe uma estrutura pré-determinada, desde que as aproximações aconteçam. Por isso se fala num futebol “mais solto”. Não é que todo mundo tá livre, leve e solto, é que a regra mudou e produz um time muito mais móvel.
E depois do apoio? Aliás, para quê jogar dessa forma?
Já sabemos que as aproximações têm o intuito de facilitar o passe ao companheiro. Mas Renato não quer apenas isso. Se quisesse, o Flamengo só ficaria tocando a bola, sem chegar ao gol. O objetivo de toda organização ofensiva é produzir gols, levar a bola da defesa ao ataque. Aí, entra outro conceito fundamental: profundidade.
Nas imagens anteriores, você viu que Gabigol estava sempre à frente da linha da bola? E que Arrascaeta, na primeira imagem, deu apoio e depois avançou? Pois ele deu profundidade: ocupou um terreno à frente, para prender a defesa e depois receber a bola.
Aqui entra uma regra fundamental para o modelo de Renato funcionar: é preciso sempre ter variações entre quem dá apoio e quem dá profundidade.
Por quê falamos que Gabigol é “móvel”? Porque ele faz o movimento da imagem abaixo, de buscar a bola, o tempo todo. E o ataque? Oras, basta alguém preencher a profundidade que ele deixou, que é o que Bruno Henrique faz aqui – e sem você ver na imagem, Arrascaeta e Éverton Ribeiro.
Flamengo alterna entre apoio e profundidade — Foto: Reprodução
Por isso, o Flamengo de Renato é uma equipe que se caracteriza pelas trocas constantes de apoio e profundidade. Enquanto uns dão apoio, outros dão profundidade. A bola passa da defesa ao meio. A movimentação recomeça: quem aproximava antes vai para frente, quem estava na frente busca…
É o que acontece na sequência do lance: Gabigol veio dar apoio ao companheiro, ou melhor, ao portador da bola. Ele toca para Isla, que toca para Arão e toca para Diego. O que Gabigol faz? Viu que Isla e Éverton estão dando apoio, então ele corre para frente e dá profundidade.
Gabriel troca apoio e profundidade em apenas nove segundos — Foto: Reprodução
Apoio, profundidade, apoio, profundidade…quase que como um pêndulo. Apoio existe desde que o futebol foi criado, assim como profundidade. Não é o conceito tático, o nome do que o jogo produz como fenômeno, o diferencial. É sua execução.
O Flamengo só goleou o ABC, São Paulo e quase o Corinthians porque executa tão bem esse jogo de intensas trocas e movimentações que o adversário simplesmente não tem tempo ou espaço de jogo para se reorganizar.
É tudo tão rápido que o zagueiro uma hora marcava o atacante que dava profundidade. Só que ele sai, dá apoio e outro chega na frente, não dá tempo de recombinar quem marca quem. E se há uma linha defensiva, como a do Corinthians, novamente a troca de tarefas faz seu papel: o Flamengo chega na área com Bruno Henrique e Arrascaeta dando profundidade.
Gabigol espera uns passos e dá…apoio para Isla. Assim ele recebe a bola livre no que será um chute no travessão, no passeio do primeiro tempo.
Flamengo chega com três finalizadores livres na área — Foto: Reprodução
Veja, no mapa de passes elaborado pelo Espião Estatístico, como o time do Flamengo distribuiu os toques de forma bem democrática entre todos os jogadores.
Mapa de passes do Flamengo contra o Corinthians — Foto: Reprodução
Apoio e profundidade também estavam presentes no trabalho de Jesus, Dome e Ceni. Mas de maneiras diferentes. Com relações diferentes. Com Jesus, Rafinha e Filipe Luís ficavam mais abertos, e Arão mais recuado. Havia mais apoio para Gérson, e as trocas aconteciam com o quarteto.
Com Dome, outra proposta: um 4-3-3 com apoios e profundidades mais definidos: Arrascaeta buscava apoiar, enquanto Bruno Henrique dava mais profundidade, buscava menos a bola. Com Ceni, vários times, sendo que o principal deles tinha novamente Bruno Henrique dando profundidade pela esquerda e mais apoios aos zagueiros, com uma saída feita muito pelas laterais.
Costuma-se dizer que Renato “dá liberdade” para seus jogadores em campo. Não é verdade. A ordem continua. Ela apenas mudou. E provoca emoções que nem Ceni, nem Dome, e até mesmo nem Jorge Jesus conseguiam provocar em seus seis jogos iniciais.
Ge.globo.com