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Direto de Brasília

A força da caneta de Ricardo Salles: tudo o que ele fez no Ministério do Meio Ambiente


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Em pouco menos de dois anos e meio de gestão, o trabalho de Ricardo Salles à frente do Ministério do Meio Ambiente é marcado por uma série de decisões que, na ótica de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, colaboraram para a redução da burocracia e encorajaram o setor produtivo nacional a atuar sem receio da “indústria da multa”. Para críticos do governo federal e ambientalistas, entretanto, as medidas tomadas por Salles têm levado à diminuição dos mecanismos de fiscalização, estimulado o “vale-tudo” na área ambiental e criado efeitos irreversíveis ao meio ambiente.

A Gazeta do Povo produziu um levantamento sobre as principais decisões que envolvem o meio ambiente e que causaram impacto para a gestão do setor.

A relação contempla tanto medidas assinadas diretamente por Salles quanto ações que ele tomou em conjunto com o presidente Bolsonaro e outros ministros. Há também atos de órgãos vinculados ao Ministério do Meio Ambiente, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Na lista, estão ações de diferentes perfis. Há medidas de cunho administrativo, que reajustaram a organização das instituições ambientais. Também há ações de perfil legal, como novos entendimentos para a fiscalização e a tramitação de multas aplicadas a infratores do meio ambiente. Há ainda medidas ambinetais de efeito mais concreto e pontual.

Ações de Ricardo Salles para reorganizar a gestão ambiental
Nomeação para o Ibama e alfinetada na presidente demissionária

No início de sua gestão, Ricardo Salles, ao lado de Bolsonaro, promoveu uma reestruturação no ministério e em órgãos a ele ligados.

Um desses atos foi a nomeação de Eduardo Bim para a presidência do Ibama. Ele substituiu Suely Araújo, que deixou o posto no dia 7 de janeiro de 2019. Um dia antes de Suely Araújo pedir para sair da presidência do Ibama, Salles publicara em seu perfil no Twitter o contrato de locação de veículos feito pelo órgão. O ministro ironizou o valor da negociação, de R$ 30 milhões. Suely Araújo comandava o Ibama desde a gestão do ex-presidente Michel Temer.

Trocas em massa no comando do Ibama

Salles exonerou, em 28 de fevereiro de 2019, 21 dos 27 superintendentes estaduais do Ibama. Foi a maior demissão em massa da história da instituição.

Mudanças em órgãos que tinham a participação da sociedade civil

Um tipo de decisão que se repetiu por algumas ocasiões na gestão de Ricardo Salles foi a de modificar a composição de alguns órgãos para reduzir neles a participação da sociedade civil, e por consequência ampliar a influência do governo.

Em abril de 2019, isso foi feito com o Comitê de Compensação Ambiental Federal (CCAF). No mês seguinte, uma modificação mais ruidosa, com a diminuição do corpo do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que passou de 96 para 23 membros. Adversários do governo viram na medida uma tentativa de silenciar vozes discordantes.

Já em novembro do mesmo ano, os alvos foram o Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA) e o Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa (Conaveg), que também tiveram seu corpo diretivo enxugado e quase restrito a membros do governo.

Outras entidades que passaram por processos semelhantes foram o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), de composição alterada em fevereiro de 2020; e a Comissão Nacional de Biodiversidade, no mesmo mês.

Militares no meio ambiente

Em junho de 2019, por meio de um decreto que regulava novas possibilidades de trabalho para policiais militares e bombeiros em suas horas de folga, foi concedida autorização para que eles trabalhassem em unidades de conservação. Servidores do Ibama protestaram, por verem na ação uma “militarização” do setor.

Novas diretrizes dentro do Ibama

Eduardo Bim, presidente do Ibama, tomou em fevereiro de 2020 a decisão de implantar no órgão as figuras de Orientações Técnicas Normativas (OTN) e Procedimentos Operacionais Padrão (POP). As diretrizes visavam harmonizar o trabalho do Ibama.

Os críticos da ideia, porém, afirmavam que com isso se implantou uma espécie de “pensamento único” na instituição, vedando que servidores ajam com autonomia em alguns casos.

Nova Comissão de Ética

Ricardo Salles nomeou, em julho de 2020, a nova composição da Comissão de Ética do Ministério do Meio Ambiente.

O colegiado passaria a não ter entre seus integrantes Marcelo Grossi, que até então era seu secretário-executivo. Semanas antes, Grossi havia feito uma reclamação sobre a falta de efetividade da própria comissão, que estava inoperante por contar com menos membros do que o previsto no regimento. Ele havia acusado Salles, em nota enviada à Corregedoria-Geral da República, ao Tribunal de Contas da União e à Comissão de Ética da Presidência, de falhar por não executar as nomeações necessárias.

ICMBio com menos força

O ICMBio deixou de ter, a partir de agosto de 2020, a atribuição de gerenciar as unidades de conservação federais. A competência foi transferida para o próprio Ministério do Meio Ambiente, que passou a contar com uma secretaria destinada a este fim. A medida foi tomada por meio de um decreto assinado por Salles, Bolsonaro e o ministro da Ecomia, Paulo Guedes.

Fusão do Ibama e ICMBio

Em outubro de 2020, Salles deu o pontapé inicial em um projeto ousado: a possível fusão entre Ibama e ICMBio. Na ocasião, ele criou um grupo de trabalho encarregado de debater os encaminhamentos e consequências da união entre os órgãos.

Defensores da iniciativa viram na ideia uma possibilidade de simplificação de processos e redução da máquina pública. Adversários alegavam que Ibama e ICMBio cumprem missões diferentes, que a fusão enfraqueceria as tarefas de ambos e que também abriria caminho para que a cúpula do sistema ambiental brasileiro ficasse ainda mais tomada por pessoas alinhadas ideologicamente ao governo Bolsonaro.

O grupo de trabalho para unificar os dois órgãos ambientais tem se reunido desde então, e ainda não há uma definição sobre o caso.

Tentativa de mudança (e congelamento) do Fundo Amazônia

No segundo semestre de 2019, o ministro Ricardo Salles tentou, mas não conseguiu, mudar a gestão do Fundo Amazônia – criado em 2008 para apoiar e financiar ações de combate ao desmatamento e conservação na região amazônica e que, desde então, já havia movimentado R$ 3,4 bilhões.

Salles queria redirecionar recursos que eram recebidos por ONGs para destinar a verba para outros fins, como o pagamento de indenizações a proprietários de terras que se tornaram unidades de conservação.

A posição de Salles, porém, criou um impasse com os dois países que eram os principais financiadores do fundo, Alemanha e Noruega. Alemães e noruegueses não concordaram com as mudanças. Alegavam estar satisfeitos com os resultados obtidos com o fundo.

O impasse levou a um congelamento dos repasses de Alemanha e Noruega. Desde então, o Fundo Amazônia está praticamente inoperante.

Florestas na Agricultura

Uma decisão exclusiva do presidente Bolsonaro, em abril de 2020, mudou o poder de concessão de florestas públicas. A atribuição foi repassado do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Agricultura.

Ambientalistas identificaram na proposta uma concessão do governo aos ruralistas e uma exclusão do tema de quem teria mais legitimidade para cuidar do assunto.

Medidas ambientais concretas da gestão de Ricardo Salles
Corte do pequi

Em janeiro de 2019, com menos de um mês no cargo, Ricardo Salles publicou uma portaria que determinava a proibição do corte do pequizeiro “em áreas situadas fora dos limites do bioma Amazônia”. O texto, porém, abria uma exceção, ao permitir o corte quando o “órgão licenciador atestar a inexistência de alternativa técnica e locacional para a implantação de empreendimento que acarrete o corte de que trata esta Portaria”.

A exceção aberta da norma foi interpretada por adversários do governo como um aceno do recém-empossado ministro à bancada ruralista.

Caça ao javali

Quando se candidatou a deputado federal por São Paulo em 2018, Ricardo Salles colocou o combate à “praga do javali” como uma de suas prioridades. Na cadeira de ministro, pôde pôr em prática à ideia: em março de 2019, uma instrução normativa do Ibama regulamentava a caça ao animal. Entre as determinações, o texto possibilitava o uso de cães para abater os javalis – espécie que não é nativa do Brasil e que costuma causar estragos ambientais e em plantações, além de representar uma ameaça a pessoas por ser um animal feroz.

Exploração de petróleo perto de santuário marinho

Em abril de 2019, o presidente do Ibama resolveu autorizar o leilão de áreas para extração de petróleo próximas ao arquipélago de Abrolhos, no mar territorial da Bahia, considerado um santuário da vida marinha. A medida contrariava pareceres técnicos do próprio Ibama. A decisão acabou não tendo efeitos práticos, já que o leilão não se efetivou.

Produção de sal

Junto com Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, Salles assinou em junho de 2019 um decreto que considerava de “interesse social” áreas de produção de sal em oito municípios do Rio Grande do Norte.

A ação gerou controvérsias porque parte das localidades estaria em área de preservação permanente. O Ministério Público contestou o decreto.

Mercado privado de créditos de carbono

Salles lançou o programa Floresta + Carbono, em setembro de 2020. A iniciativa prevê o estabelecimento de um mercado de crédito de carbono entre empresas privadas, sem a participação direta do governo – o poder público atuaria apenas como um facilitador do processo.

Produção de cimento

Em outubro de 2020, Salles publicou uma portaria que permitiu a empresas produtoras de clínquer (um tipo de cimento) utilizarem produtos poluentes em seus fornos.

A medida foi elogiada pelo setor e criticada por ambientalistas. O setor viu possibilidade de ganhos econômicos e deu garantias de que não haveria comprometimento ao meio ambiente; já ambientalistas alegavam que não haveria a possibilidade de o processo se dar de forma segura.

Adoção de parques ambientais

O programa Adote um Parque foi lançado pelo governo federal no início de 2021, por meio de um decreto assinado por Salles e Bolsonaro.

A iniciativa consiste em estimular empresas a arcarem com os custos de preservação de áreas e, em troca, poderem fazer ações de publicidade sobre o projeto.

Até mesmo críticos ao governo Bolsonaro viram pontos positivos na proposta.

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Medidas referentes a multas e fiscalização ambiental
O despacho que colocou Salles na mira da PF

O ministro Ricardo Salles e o presidente do Ibama, Eduardo Bim, são alvo de uma investigação da Polícia Federal por causa da mudança de interpretação das normas referentes à exportação de madeira e de fiscalização dessa atividade.

O Despacho n.º 7036900, editado em 2020 pelo Ibama, eliminou a exigência de autorização de exportação de madeira por parte do órgão ambiental federal, com a exceção de espécies sob o risco de extinção. Para Salles e o Ibama, esse despacho apenas deixou claro para os fiscais ambientais que uma norma de 2011 (a Instrução Normativa 15/2011, do Ibama) já tinha perdido valor legal. Era essa instrução de 2011 que previa as exigências para exportação de madeira.

Além disso, os atuais gestores da política ambiental no Brasil argumentavam que o despacho desburocratizava a atividade de exportação de madeira.

A Polícia Federal, contudo, afirma que a publicação do despacho contrariou nota técnica interna do próprio Ibama e que haveria indícios de que Salles e Bim teriam editado a nova norma para legalizar, de forma retroativa, exportações ilegais de madeira.

Ministério com sede temporária no Pará

Em maio de 2021, Salles determinou que seu gabinete, bem como os dos presidentes de Ibama e ICMBio, seria temporariamente transferido para o interior do Pará. A ideia era que a cúpula ambiental acompanhasse de perto operações de combate ao desmatamento ilegal na região.

Ambientalistas criticaram a medida, por entenderem que operações de fiscalização precisam de sigilo para serem efetivas e que o anúncio antecipado de Salles alertou os desmatadores de que haveria ações no Pará.

Prazo para multas

Em uma das suas primeiras ações no comando do Ibama, Eduardo Bim baixou um decreto em que prorrogou o prazo para a conversão de multas ambientais em serviços ao Estado. O prazo foi expandido para até 31 de dezembro de 2019.

Audiência de conciliação

Assinado por Salles e Bolsonaro, o Decreto 9.760, de abril de 2019, criava uma “audiência de conciliação” para a aplicação de multas ambientais. A ideia do governo era possibilitar uma gestão mais rápida da punição e evitar a judicialização do processo.

Opositores viram a medida como uma possibilidade de fazer com que as multas não fossem pagas. Poucas audiências foram efetivamente realizadas.

Recurso ao presidente

Uma instrução normativa baixada em julho de 2019 pelo presidente do Ibama, Eduardo Bim, alterava regras de proteção da Mata Atlântica e permitia a eventuais infratores recorrerem diretamente ao presidente do órgão e ao superintendente estadual mais próximo.

Conversão de multas

Duas instruções normativas assinadas por Salles em conjunto com os presidentes do Ibama e do ICMBio, e publicadas no fim de janeiro de 2020, regulamentavam mecanismos para a conversão de multas ambientais em “serviços de preservação, melhoria e qualidade do meio ambiente”. No mês seguinte, uma portaria foi implantada com o mesmo teor.

Novos procedimentos para aplicar multas

Uma instrução normativa assinada simultaneamente por Salles e pelos presidentes do Ibama e do ICMBio e publicada em abril de 2021 acabou causando revolta entre servidores dos órgãos. A medida cria novos procedimentos para a aplicação de multas. Determina, entre outros pontos, que as infrações precisam ser referendadas por um superior do agente que fez o auto de infração. Segundo servidores, as instituições não criaram mecanismos que garantissem a aplicação deste novo sistema, e o resultado foi uma verdadeira paralisação das multas.

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