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“Ele estava bem, mas em dois dias, ele se foi”, lamenta maranhense que perdeu filho de 6 meses para covid
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Joaquim tinha 6 meses e contraiu covid (Foto: Arquivo pessoal)
Em entrevista à CRESCER, Valdirene Fortes Carvalho, de São Luis, Maranhão, relembra como perdeu o filho de apenas 6 meses para a covid. “Foram 15 dias internado. Ele estava bem, mas em dois dias, ele se foi. Eu dizia baixinho: ‘Volta pra sua mamãe’. Meu filho era cheio de vida”, lamenta. Para ela, houve negligência em um dos hospitais onde o bebê foi atendido
O pequeno e risonho Joaquim, de apenas 6 meses, entrou para a triste estatística de óbitos da covid. No Brasil, desde o início da pandemia, em março do ano passado, o vírus já causou mais de 390 mil mortes. Apesar de os médicos e cientistas afirmarem que as crianças contraem e transmitem menos e têm formas menos graves da doença, ainda há exceções.
Segundo a mãe, Valdirene Fortes Carvalho, de São Luís, Maranhão, o que parecia ser uma gripe, evoluiu de forma rápida. “Foram 15 dias de internação. Ele estava bem, comendo, brincando. Não parecia estar doente. Mas em dois dias, piorou e se foi”, lembra. Em um depoimento emocionado à CRESCER, ela, que passou por tudo sozinha por conta das restrições da pandemia, relembrou os primeiros sintomas e os últimos dias com o caçula. Valdirene também acredita que houve negligência no hospital onde o menino passou a maior parte do tempo. “Quando foram agir, já era tarde demais”, afirma.
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“Meu Joaquim completou 6 meses no dia 14 de fevereiro e a partir do dia 16, ele começou a ter sintomas de gripe: febre e tosse. Eu achei que era apenas uma gripe normal, mas, no dia seguinte, ele já amanheceu cansado. Então, fomos a uma UPA. Lá, ele foi medicado para febre, fez sessões de nebulização e o cansaço amenizou. Voltamos para casa, mas notei que o cansaço voltou a aumentar e retornamos para a UPA. Ele tomou a mesma medicação e fez um raio-x. O médico comentou que era apenas uma gripe e nos mandou para casa.
No dia 19, ele amanheceu com um chiado, um ronco no peito. Notei que as nebulizações que estavávamos fazendo em casa, não aliviavam o cansaço. Então, meu marido e eu decidimos levá-lo para outra UPA. Assim que ouviu o chiado no peito dele, a médica ficou preocupada e e pediu para que ele ficasse em observação. Ele estava irritado, chorava muito. Fez teste de covid e recebeu antibióticos. Foram oito dias lá, esperando uma vaga de UTI em um hospital. Segundo a médica, os exames indicavam bronquiolite. No dia 20, ele estava um pouco melhor, mas, no dia 21, houve uma piorada brusca e ele precisou de oxigênio. Depois, voltou a reagir. O chiado no peito diminuiu, mas continuava. Assim como o cansaço. Continuamos com as lavagens diárias do nariz, massagens no peito e ele comia muito bem. Apesar de tudo, ele estava alegre e bem esperto. Quem olhava, não dizia que ele estava doente. Dias depois, o resultado do teste de covid saiu e deu negativo. Todos ficamos muito felizes.
No dia 26, a médico afirmou que apesar de aparentemente bem, ele ainda não estava em condições de ir para casa. Também fomos informados que havia saído um leito de UTI para ele. Então, no dia seguinte fomos transferidos. Naquele momento, era tudo alegria. Todos se despediram da gente e ele seguiu alegre dentro da ambulância. Acreditávamos que em poucos dias estaríamos em casa. Lá, fomos colocados em uma sala com outros cinco pacientes. A médica de plantão olhou para meu filho, examinou e perguntou porque ele tinha sido transferido, já que ‘parecia bem’. Realmente, ele parecia estar bem. Naquele momento, ele estava com um pouco de diarreia, fez exames de fezes e sangue, e não recebeu medicamento nenhum nos primeiros dois dias, apenas no terceiro, quando voltou a ter febre. A médica foi vê-lo, ouviu os pulmões e disse que ainda tinha chiado. Pediu para refazer o raio-x e o teste de covid.
Na manhã do dia 4, ele continuava cansado. Ele já não queria comer mais nada, só mamava no peito. Decidiram colocá-lo no oxigênio e, depois disso, foi piorando rapidamente. Ele estava pálido, muito pálido. Eu chorava muito, repetia para todos que ele não estava bem; ele chorava muito também… Quando olhei para o aparelho, vi que a saturação estava baixando, já estava em 40. A mãozinha dele estava branca, parecia que não tinha mais sangue. Ele me olhava como se pedisse socorro. Quando a pediatra veio, avisaram que iriam entubá-lo. De repente, surgiu um monte de gente: médicos e enfermeiros. Botei ele na caminha e pediram para eu me retirar. Sai e deixei meu filho desfalecido. Cerca de duas horas depois, finalizaram a entubação. Quando bateram um novo raio-x, só ouvi falarem: ‘Meu Deus’. Eles ficaram apavorados. Ele estava estável, mas muito grave. O pulmão dele já estava quase 100% comprometido.
Nesse mesmo dia, à tarde, ele teve a primeira parada cardíaca. Foi uma correria, a sala estava muito cheia. Muita gente correndo para salvá-lo. Entrei em desespero nessa hora. Com muita luta, trouxeram ele de volta. Nisso, eu já estava com um psicólogo em outra sala. Eu sabia que ele não estava bem. Ele estava inchado, muito inchado. Lembro de uma médica perguntando há quanto tempo ele estava assim. Respondi que ele havia sido entubado há poucas horas e deu pra perceber que ela não entendeu porque ele chegou a esse estado tão rapidamente. Pediram transferência para ele em outro hospital e fomos. O médico avisou que era uma transferência muito delicada. Quando chegamos, ele teve outra parada cardíaca. Mais tarde, na madrugada, ele teve a terceira parada e voltou. Um tempo depois, teve a quarta vez. Ele lutou muito. A saturação não aumentava de 75. E assim passamos a madrugada.
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Amanheceu, era dia 5 de março, a médica voltou e novamente disse o que eu não queria ouvir: o estado de saúde dele era muito grave. Eles nem sabiam explicar porque ele chegou naquele estado tão rapidamente. Por volta das 8h30, os rins pararam de funcionar e ele precisaria de hemodiálise, mas não deu tempo. Apesar de todos os procedimentos e medicações, ele já não reagia mais. Para mim, meu filho faleceu antes mesmo de ser entubado. Às 10h, tudo começou a piorar ainda mais. A saturação caiu para 40, os batimentos diminuíram e eu desesperado. Eu dizia baixinho para ele: ‘Volta para sua mamãe. Você tem que ser forte, voltar para sua mamãe’. Ele chegou a ter a quinta parada cardíaca, a sexta e ele se foi. Tentaram reanimá-lo de todo jeito, mas ele não voltou mais.
Lembro que depois me entregaram todos os exames dele e eu fiquei me perguntando: ‘O meu filho se foi. Por que me deram os exames dele?’. Eu levei as roupinhas dele embora, os exames, sem saber o porque eu estava levando tudo aquilo. Eu estava transtornada. Eu quero uma explicação do que aconteceu com meu filho. Ele fez um raio-x no dia 25 e estava apenas com pequenas manchinhas. Poucos dias depois, estava tomado. Acredito que ele não teve a atenção que deveria. Passamos 15 dias internados e em apenas dois dias, ele se foi. Foi tudo muito rápido. Inexplicavél e inaceitavél.”
O QUE DIZ O HOSPITAL
O estado de saúde de Joaquim piorou e ele precisou ser entubado no Hospital Infantil Dr. Juvêncio Matos, em São Luís. O hospital é administrado pelo Instituto Acqua, uma Organização Social (OS) sem fins lucrativos com sede em Santo André, São Paulo. Nossa equipe entrou em contato com o Instituto, que ficou de enviar um posicionamento sobre o caso. No entanto, até a publicação, não recebemos retorno. Por causa disso, essa publicação pode ser atualizada a qualquer momento.
MORTE BEBÊS NO BRASIL
Um levantamento da organização de saúde Vital Strategies aponta que 1.302 bebês com até 1 ano de idade morreram em decorrência da covid-19 no Brasil desde o início da pandemia. O vírus também causou a morte de 451 crianças de 1 a 4 anos e 308 crianças de 5 a 9 anos. Ainda segundo o estudo, cerca de 6,5 mil (6.558) bebês precisaram ser internados por covid somente nesse ano. Em 2020, esse número chegou a 15.333.
Apesar de o total representar um percentual baixo diante das mais de 350 mil mortes causadas pela doença no país, os números colocam o Brasil como o detentor de uma das taxas mais altas de mortes de bebês por covid-19 no mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, 43 bebês com menos de 1 ano morreram por covid-19 no ano passado, segundo informações divulgadas pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC, na sigla em inglês) – contra 1.064 no Brasil, só em 2020.
Para Fatima Marinho, médica epidemiologista e consultora técnica da organização, muitos bebês podem ter sido contaminados pela chamada transmissão vertical, quando o vírus é passado de mãe para filho. Outra possível forma de contaminação é através da família. “O bebê não consegue sair de casa sozinho, então, o vírus entra em casa. A necessidade de outras pessoas que moram com a criança de sair para trabalhar e ter que se expor ao vírus faz com que não se consiga manter o bebê em distanciamento social”, disse. A falta de diagnóstico e de testagem em bebês também contribui para o alto índice de mortalidade, segundo a médica. “Em muitos casos, os médicos acham que é um estado gripal. O bebê acaba sendo internado somente quando está em estágio muito grave, e isso aumenta o risco de morte”, aponta.
Uma forma de tentar diminuir a alta taxa de mortalidade é estar atento aos sintomas que a criança apresenta. “Os bebês costumam apresentar sintomas diferentes para covid, geralmente com um quadro de diarreia. Não necessariamente têm febre e dificilmente vão tossir”, disse Fatima Marinho. A recomendação é que os médicos examinem as crianças considerando que pode ser um caso de covid e que testes sejam aplicados sempre que houver suspeitas. “As crianças quase não são testadas porque têm menor risco de se contaminar, mas a chance não é zero. Então quando uma criança apresentar sintomas, é importante que seja testada”, aconselha.
FONTE: https://revistacrescer.globo.com/