Direto de Brasília
A biografia do novo ministro do STF, contada por ele
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O depoimento autobigráfico, a seguir, foi dado pelo ministro Luiz Fux ao portal de internet da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, para o projeto “Faculdade de Direito da UERJ — 70 Anos de História e Memória”. A presidente Dilma Rousseff escolheu o ministro para ocupar a vaga de Eros Grau no Supremo Tribunal Federal. A indicação foi publicada na Seção 1 do Diário Oficial da União (DOU) nesta quarta-feira (2/2). Ele será sabatinado pelo Senado Federal
“Meu nome completo é Luiz Fux. Nasci no dia 26 de abril de 1953, no Rio de Janeiro. Sou carioca da gema, como se dizia antigamente. Minha mãe é Lucy Fux. Meu pai chama-se Mendel Wolf Fux, imigrante romeno, brasileiro naturalizado. Meu pai é advogado. Ele era contador e, já depois da família crescida – eu tenho mais duas irmãs – resolveu fazer o curso de Direito, tendo o concluído com uma certa idade. Atua na área de contencioso Cível, normalmente em causas adstritas às justiças locais. Meu pai nunca advogou lá no Tribunal Superior.
A minha família é de exilados de guerra, da perseguição nazista. Tenho origem judaica. Meu avô e a minha avó se reencontraram no Brasil, após três anos separados. A minha avó conseguiu vir primeiro, exilada, depois é que veio o meu avô. Chegando aqui, meu avô exerceu uma função bastante humilde. Ele vendia roupas para pessoas de classe baixa, nas populações mais carentes.
Meu avós morreram com uns 92 anos. Eles foram muito gratos ao fato de terem sido bem acolhidos no Brasil. Tanto que o meu avô também assumiu uma entidade que era casa de acolhida de idosos, pessoas mais velhas desvalidas. Já minha avó era presidente de uma entidade que acolhia crianças abandonadas, o Lar das Crianças Israelitas.
Certa vez, um episódio bastante significativo ocorreu… Uma colega minha de sala do colégio, falou assim: “você sabe que nós somos parentes?”. Respondi que não sabia e ela continuou: “eu sou sua aparentada porque fui criada pela sua avó. Eu fui criada no Lar das Crianças”. Achei aquilo uma coisa lindíssima. Um momento espetacular de minha vida. Fiz uma grande amizade e a levei para rever minha avó. Ela já era mãe de família e tinha muita saudade de minha avó. Estes meus avós se chamavam Bertha Fux e Moisés Fux.
Por parte de mãe, talvez, se alguém acredita, vamos dizer assim, nessa absorção por osmose hereditária, o pai de minha mãe era um homem que exercia função de juiz arbitral na coletividade. Era um homem muito culto, dedicado às questões da justiça. Não tinha formação jurídica, mas era considerado justo. O nome dele era Luiz Luchnisky. Era um homem muito procurado, pela sua inteligência e sensibilidade. Intermediava vários conflitos entre pessoas influentes na sociedade. Era um homem do qual até hoje ouço falar muito bem. Não o conheci, mas deixou-me um nome magnífico, ligado à justiça, caridade e sensibilidade.
Nós nascemos na comunidade judaica, ali no Andaraí, pertinho da UERJ. Eu tive uma infância com as limitações naturais de filhos de pessoas que não tinham uma colocação, digamos assim, expressiva na sociedade. Meu pai era técnico em contabilidade e lutava com muita dificuldade para manter os filhos. Minha mãe era do lar, como eram as mulheres de antigamente. A minha primeira grande chance foi quando eu passei para o Colégio Pedro II. Era um colégio público que tinha uma qualificação de ensino muito destacada. O Colégio Pedro II deu-me uma boa base para que eu pudesse, então, depois, fazer o vestibular para a Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que sempre foi rigorosíssimo. Claro, hoje, o índice de demanda no vestibular da UERJ aumentou muito. Tanto mais que o Direito se transformou em carreira com muitas opções. A formação enciclopédica que o curso de Direito dá, permite ao alunado optar por várias profissões. Enfim, o conhecimento é multidisciplinar.
No Colégio Pedro II, nós tínhamos um diretor muito rígido, o professor Lacerda. Ele tinha uma característica que eu achava admirável: instigava no aluno o amor à bandeira, o amor ao Brasil. Os padrões morais e éticos eram muito exigentes. Ainda naquela fase inicial da adolescência, quando o jovem não tem muita noção dos critérios que deve seguir, nós não iniciávamos as aulas sem cantar o Hino Nacional. Havia ali uma catequese positiva no sentido de amor à coisa pública. Creio que aquilo ali acabou influindo nesse meu desejo de seguir a carreira pública.
No Pedro II fiz o ginásio e o clássico. O primário foi no Colégio Liessin. Era na Visconde de Ouro Preto. Eu tenho impressão que a formação escolar me conduziu para as Ciências Sociais. Talvez, aquelas matérias do Clássico acabaram gerando em mim um pendor por uma leitura mais compatível com a ciência jurídica. Por outro lado, e isso é inegável que acaba exercendo influência, comecei a trabalhar muito cedo, com 14 anos de idade. Eu era boy do escritório do meu pai. Acompanhei meu pai sair da atividade da contadoria para a advocacia. Ele me levava para freqüentar o fórum desde 14 anos de idade. Eu admirava os juízes, eu assistia aos concursos. Todos os escreventes me conheciam. Ele me obrigava a ir de terno e gravata com 14 anos…
Fui admirando aquela liturgia, aquela solenidade que era característica do mundo jurídico. Meu pai sempre me deu uma noção muito exacerbada da ética. E, naquela oportunidade, o meio jurídico era um meio em que a moralidade, a ética, eram, pode-se dizer, os dois cânones maiores da profissão. Aquilo absolutamente me encantava.
Depois de uma certa idade minha mãe decidiu seguir a carreira médica. Tenho muita admiração pelos médicos. São muito serenos, homens que se dedicam à vida humana. Eu sou espiritualista. Dou mais valor a essas questões sensíveis do ser humano. Mesmo no exercício da minha profissão. O ser é mais importante que o ter. Sou mais um homem que vive os grandes problemas existenciais do ser humano. Gosto de pesquisar isso, de me dedicar a isso, gosto de ler sobre. Tenho verdadeira paixão pela leitura das vicissitudes da alma humana.
A escolha da UERJ…
Dois fatores levaram a essa escolha. Primeiro porque a UERJ era universidade pública. Depois, a UERJ também era uma universidade, vamos dizer assim, de ponta. Tinha um grau de exigência muito bom. Era a melhor universidade do Brasil. Eu tenho certeza que a UERJ, na época em que eu fiz o vestibular, tinha um grau de excelência superior a várias universidades que, hoje, têm nível A. Naqueles tempos, para não cometer nenhuma injustiça, a única que se equiparava à UERJ era a USP.
Eu entrei em 72 e me formei em 76. Foi a formação do Pedro II, o Clássico do Pedro II, que me possibilitou entrar na UERJ. Não tenho dúvida.
Lembro do primeiro dia de aula. Eu iniciei o meu curso no Catete. Foi a primeira turma que se formou na UERJ do Maracanã. Eram turmas imensas, 150 alunos de manhã e 150 alunos à noite. Eu estudava à noite, porque trabalhava o dia inteiro. Era até o ‘Benjamin’, o mais novo do turno da noite. Só estudava à noite o pessoal mais velho, que tinha que trabalhar o dia inteiro. Não era comum um jovem estudar à noite. Eu tinha um bom desempenho e isso chamava muito a atenção.
Os meus amigos tinham 60 anos. Eu, com 23. Um ou outro era da minha geração. Nós tínhamos um grupinho pequeno. Sempre fui muito querido pelos amigos. Até hoje nós que nos formamos em 1976 e já temos 30 anos de formados, nos reunimos.
Conseguia trabalhar e estudar. O meu pai fazia questão que, no meio do trabalho, eu tirasse algumas horas para estudar. Ele, às vezes, me poupava de ter que fazer alguma coisa para eu poder estudar. Ao mesmo tempo, me impunha responsabilidades até bem além de minha idade, para que pudesse, desde cedo, adquirir maturidade suficiente, bem como ciência dos ônus sociais que um homem tem que assumir, em razão do seu trabalho, de sua vida pessoal.
Tinha “trote”, mas era um “trote” saudável. Por exemplo, o meu “trote” foi o seguinte: nós tivemos uma aula com um aluno que se fez passar por professor. Aí, todo mundo quieto, prestando atenção, ele falando um monte de besteira, ninguém entendendo nada. Até que chegou um momento, porque a turma era de pessoas mais velhas, que começaram a comentar: “Puxa, mas esse professor não está dizendo nada com nada. Acho que ele está achando graça da nossa cara porque não é possível que o que esteja dizendo tenha fundamento”. Até que, em um dado momento, se descortinou a brincadeira.
Mesmo grandes, as turmas eram muito unidas, em todos os sentidos. Nós participamos de blocos, blocos de rua mesmo. Uma vez nós fomos do Catete até o Bola Preta, todo mundo com gravata na cabeça.
Tínhamos um bloco da faculdade. Aquilo era saudável. Tínhamos até uma música própria. Havia uma cantoria que fazia chacota com o Sr. Magalhães, que era um secretário duríssimo. Dizia mais ou menos assim: “não há quem agüente nas noites e nas manhãs esse tal de Magalhães”. Por aí ia embora…
O chope era em um bar da esquina, que tinha um nome característico pelo fato de que, por ser muito estreito, nós ficávamos metade dentro do bar, metade fora. A gente chamava esse bar de “Meio Corpo Fora”… “vamos lá no Meio de Fora”, iam os professores também.
Os professores…
Marcou muitíssimo a primeira aula que nós tivemos com o professor Simão Benjó. Era queridíssimo, foi nosso paraninfo. Ele, além de ser professor, se propunha a ser amigo dos alunos. Nos deu uma belíssima base de Direito Civil e, além disso, aos fins de semana, nos levava para sua casa e oferecia “festas”, verdadeiros encontros culturais. Ele promovia um trabalho muito interessante que chamava de Maratona de Direito Civil. Premiava os alunos através de um concurso, que era bem difícil. O aluno, no final do curso, tinha que fazer uma prova sobre toda a matéria. Os finalistas disputavam a final em prova dificílima que tinha como prêmio uma importância que seria, hoje, o equivalente, talvez, a R$1.000,00. Quando ganhei o prêmio Maratona do Direito Civil gastei tudo em chope com os colegas.
A Maratona era para estimular o estudo, a competitividade. O professor Benjó sempre nos passava a idéia de que era muito útil fazer um concurso público no início de carreira. Porque as instituições estavam necessitando de alunos novos, pessoas jovens, sem vícios, que pudessem dar de si para o Estado. Ao mesmo tempo, era a chance de iniciar uma carreira promissora, muito difícil de conseguir com pouco tempo de formado.
E ele tinha toda razão porque o que se vê, hoje, é que o jovem quando sai da faculdade fica submetido a um regime de estagiário, de submissão ao escritório onde trabalha até que ele consiga se firmar. É mais difícil. Sempre estagiei em órgãos públicos e graciosamente. Estagiei na Defensoria Pública e no Ministério Público.
No último ano de faculdade, mediante concurso público, exerci uma função remunerada e que foi meu primeiro passo profissional, na Shell do Brasil. A Shell era uma grande companhia, o concurso era muito difícil e só tinha duas vagas. Graças à minha formação da UERJ consegui lá ingressar.
Nós ainda vivíamos uma época de repressão bastante grande. Recordo-me que o professor Heleno Fragoso, quando dava aulas, iniciava dizendo o seguinte: “Boa noite, pessoal do DOPS. Boa noite, pessoal do SNI. Vocês estão trabalhando, mas eu também estou. Vamos começar a aula”. Então ele dava aquela noção de independência. Noção que acabou me contaminando, porque ali participávamos de debates políticos, tinha coragem suficiente, tinha problemas decorrentes. Lembro-me que quando o centro acadêmico da UERJ teve dificuldades em conseguir um telefone, por problemas políticos, intercedi e consegui o primeiro telefone do centro. O Centro Acadêmico estava aberto, mas com atuação bastante mitigada. Só voltou a ter uma atuação mais expressiva quando comecei a dar aula, já em 1977, 1978, foi quando o Centro começou a tomar corpo de novo.
As apostilas da UERJ…
Lembro-me que nosso patrono, um grande professor que, por admiração – o grande elemento do relacionamento humano – fez-me seguir a carreira do magistério, o professor Barbosa Moreira, sempre nos sinalizava para o fato de que devíamos ler os livros, que as apostilas não eram revistas etc. Mas, na UERJ havia uns dois grupos de apostilas disputadérrimos. Eram as apostilas do professor Barbosa Moreira e as apostilas do professor Ebert Chamoun, que eram utilizadas em concursos. Os cursos divulgavam essas apostilas.
Eu, no concurso para a Magistratura, ainda tinha essas apostilas. Estudei para uma banca que era composta pelo Barbosa Moreira e pelo Chamoun. Então, queria saber qual era a linguagem deles, muito embora tivesse freqüentado as aulas do professor Barbosa Moreira, que, aliás, fora meu patrono. Também trabalhei com o professor Barbosa Moreira na Procuradoria Geral do Estado, fui estagiário dele lá.
A verdade é que muitos tiveram a primeira formação científica na matéria à luz dessas apostilas. Eles tinham estilos diferentes. O professor Barbosa Moreira, além de profundo, é muito didático. O professor Chamoun era um professor que tinha uma exposição muito lógica. Eu, para traçar um perfil de metodologia de aula, me vali muito do estilo do professor Barbosa Moreira. Sempre fui um professor muito didático, fui muito preocupado em entender a matéria da forma mais simples possível para poder repassar aos alunos. Inclusive, nas palestras, procuro ser muito claro. É mais importante ser claro do que falar difícil. O alunado só entende aquilo que consegue perceber na essência. O professor Barbosa Moreira não lia nada, levava um sumário daquilo que ia falar e dava a aula pelo sumário. E assim também sempre fiz. Faço meu sumário e, dali, desenvolvo todas as idéias. Sempre tendo o Código presente, a fundamentação legal daquilo que vou dizer.
Até mesmo na hora de votar tento ser didático. Nunca li um voto. Não leio os meus votos. Explico qual é a idéia que tenho do caso e, eventualmente, só para fechar o raciocínio, leio a síntese do voto. Essa metodologia de ficar lendo, ninguém presta atenção, ninguém agüenta. A pessoa gosta de saber porquê foi acolhida, porquê foi rejeitada, e da forma mais simples do mundo. Hoje há um movimento muito grande pela simplificação do Direito. O Direito é muito hermético. As pessoas não entendem. É a mesma coisa um médico, se começar a falar de doença com termos médicos, não se entende nada. O que se quer saber é o que se tem. Qual é o problema e qual a solução.
Tive uma professora de Direito do Trabalho, professora Alexandrina Fonyat. Ela era muito didática, uma excelente professora. Também havia a professora Dora Martins de Carvalho, de Direito Comercial, mas o meu mestre foi o professor Theophilo Azeredo Santos. Na parte de Direito Civil, mais esporadicamente, também lecionava a professora, Regina Gondin.
Metade da turma era mulher, metade homem. E de noite também. As mulheres à noite eram mais velhas. A gente saía muito para desfile de escola de samba, no Mourisco, na Portela. Nós tínhamos um amigo que faleceu, vítima de uma bala perdida. O Salim, que tinha uma casa no Grajaú, onde fazíamos muitas festas e feijoadas. Era famoso “o Arroz do Salim”, aos sábados. Depois de lá, íamos para a escola de samba ou para a boate, New York City, que era na zona sul.
Também tínhamos uma banda.
Tínhamos um conjunto musical, eu tocava guitarra. Tinha um colega meu que cantava, até hoje ele continua… O conjunto se chamava The Five Thunders, os Cinco Trovões. Mesmo como professor, continuei tocando minha guitarra nas festas dos alunos. E o José Márcio do Couto continuou a carreira dele. Quando fiz 40 anos de idade, consegui reunir todo mundo que tocava em nossa época. Fizemos um revival do conjunto e tocamos, cantamos, ensaiamos durante uma semana. Estava todo mundo em forma, deu tudo certo. Foi uma festa bonita em um lugar chamado Un, Deux, Trois, que tinha ali na Bartolomeu Mitre.
Dos 18 aos 19 ou 20 anos, cantava em uma boate chamada Don Quixote, que ficava na Bartolomeu Mitre. Na infância aprendi a tocar violão. Abandonei porque aquilo era muito maçante, era mais uma matéria. Comecei a tirar de ouvido. Já juiz, tinha lá na noite uma música… o pessoal me chamava para ir ao palco tocar… Eu ia. Toquei uma vez em um evento enorme quando estava começando a carreira da Daniela Mercury. Lá no Nordeste. Nunca tinha tocado em um lugar com tanta fumaça, super diferente… Tive que começar a podar um pouco isso porque a liturgia do cargo de magistrado exige um certo comedimento. Muito embora isso seja uma coisa popular.
Quando fui nomeado Ministro, alguns jornalistas, não sei movidos por qual sentimento, puseram que o ministro indicado era um faixa preta de Jiu-Jitsu e tocador de guitarra. Como se isso fosse algum demérito.
Durante minha juventude, fiz esporte, fui realmente faixa preta de Jiu-Jitsu, conhecido aqui no Rio de Janeiro. Muito embora nunca tenha criado nenhuma confusão, como hoje se vê aí, infelizmente. Na minha época, os lutadores de Jiu-Jitsu, o professor faixa preta, davam o exemplo da retidão, de como devia ser um lutador. Esse foi o exemplo que tive com a família Gracie, com o meu professor, Oswaldo Alves, com Carlson Gracie, que Deus o tenha, morreu agora, tem uma semana que ele faleceu em Chicago. Na nossa geração de Jiu-Jitsu nunca ninguém criou problema nenhum.
O professor Celso Albuquerque de Mello não foi meu professor. Mas foi meu diretor na PUC. Fui professor da PUC também. Definia o professor Celso Mello como um homem de uma inteligência notável. Absolutamente despido de toda e qualquer liturgia e de vaidade. Era um homem simples, cultíssimo, queridíssimo pelos alunos, dedicado à atividade acadêmica, que era tudo o que gostava de fazer. Era admirado por todos. Sempre ouvi falar muito bem dele. No Mestrado, nós nos encontramos algumas vezes, em bancas examinadoras.
Minha formatura foi um grande festival, eram 300 formandos. Disputei arduamente e venci o concurso para orador de turma. Confesso sem qualquer pieguice, fui um estudante que lutei com bastante dificuldade. A UERJ era um padrão de referência. E, na época, infelizmente não existe mais, havia uma editora que dava um prêmio, que era o Prêmio Companhia Editora Forense. Formei a minha primeira biblioteca, porque ganhei o Prêmio por ter tirado em primeiro lugar durante os cinco anos de faculdade. Ganhei o que seria hoje R$3.000,00, aproximadamente, em livros. Era coisa demais. Hoje já é mais ou menos. Na minha turma não tinha essa questão de competitividade nociva. Foi uma turma que me apoiou muitíssimo. Eles tinham em mim, porque era um grande boa praça, o primeiro aluno da faculdade e o maior farrista, um amigo admirável.
O tom do discurso de formatura foi de gratidão, afetivo. Agradecia muitíssimo o que os professores tinham feito por nós, o que os colegas tinham feito para a nossa formação, falava um pouco da miséria do Brasil, a miséria da fome e a miséria intelectual, dizia das nossas perspectivas em vários campos, no campo da advocacia, do Ministério Público, da Magistratura ou do próprio Magistério, e terminava com uma lição de grande esperança. Tal como sou como pessoa. Sou uma pessoa que tem muita fé, muita esperança, sou muito perseverante, tenho nos meus ideais a minha grande bandeira. Cheguei muito cedo em tudo o que fiz porque nunca perguntei a ninguém qual era a minha hora. Eu sempre fiz a minha hora. Nunca admiti, dentro da minha independência pessoal, talvez por tudo o que eu tenha passado desde 14 anos, que ninguém me dissesse qual era a hora que eu tinha para dar início a minha vida profissional.
Já fui até criticado por isso. Porque diziam: “tudo na vida tem antiguidade”. Não é nada disso. O Brasil é um país que dá chance a todo mundo. E quem tem a chance e quem acha que está na sua hora, tem que procurar o seu caminho. A minha família, ela é uma família que me apóia. Então, ela não diz a minha hora. Ela acompanha a minha hora. Essa é a minha filosofia de vida. Então, às vezes, pago um preço caríssimo por isso. Eu me machuco muito, mas não desisto.
O convite para dar aula na UERJ me faz dar um mergulho muito bonito no meu passado. Ele foi formulado pelo professor Oscar Dias Correia, que era diretor da faculdade. Isso foi em 1977. Tinha um ano de formado. Ele disse assim: “Fux, eu queria montar o escritório modelo da UERJ. Então, eu preciso que você comece na prática forense, comece a estudar isso para mim, porque você foi um aluno exemplar e a gente quer começar de uma forma exemplar. O secretário da faculdade, o professor Júlio, que substituiu o Magalhães, ele acha que você é a pessoa indicada”.
Se bem que, na faculdade, dava aula desde quando estudante. O professor Benjó, no último período, me incumbiu de ser seu assistente em Direito Civil. Foi a área onde comecei.
Entrei na UERJ em 1972
E nunca mais saí. Nós estamos em 2006, eu nunca saí da UERJ. Nem um segundo. Mesmo agora, em Brasília, compatibilizo a minha carga horária no Mestrado, no Doutorado. Para não sair da UERJ, confesso que já dei aula de tudo. Já dei aula até de Direito Financeiro. Direito Financeiro, Direito Civil, Prática Forense. Só não dei Medicina Legal, que devia até ter dado porque Medicina Legal, aprendi com o professor Nilson do Amaral Sant’Anna. O Nilson foi diretor do Instituto Médico Legal. Foi a pessoa mais querida que a UERJ já teve. Ele dizia para o meu pai o seguinte: “você tem um filho que você divide comigo”.
O Nilson dizia o seguinte: “Fux, um menino de 23 anos é um menino. E você é um menino de 23 anos que freqüenta rodas de pessoas muito mais velhas que você, e com muito pouco tempo de idade você goza de muita respeitabilidade e isso vai marcar a sua vida”. E dito e feito. Tudo o que aconteceu na minha vida foi muito cedo. Fui juiz muito novo, o juiz mais novo da época. Hoje não, hoje há juízes mais novos. Passei no concurso da Magistratura com 27 anos, em primeiro lugar. Eu saí no Jornal Nacional, porque era uma coisa importante. Depois, fui o desembargador mais novo. Fui o Juiz de Alçada mais novo. E durante um bom tempo fui o Ministro mais novo do Superior Tribunal de Justiça.
A saída do Catete para o Maracanã foi uma tristeza muito grande. O prédio era histórico. E o prédio era a história da faculdade de Direito. Houve resistência. Nós fomos instados a nos mudar para a UERJ, uma faculdade com uma infra-estrutura muito melhor do que o Catete. No Catete eram carteiras de duas pessoas. Você estudava sentado ao lado de um colega. E só nas provas é que tinha que dividir as salas para todo mundo sentar sozinho. O Sr. Magalhães me chamava de Beckenbauer, porque o Beckenbauer era um meio de campo que distribuía bem a bola na seleção alemã. Ele dizia que eu sentava no meio da sala para distribuir cola para os alunos.
Mas voltando, o professor Oscar Dias Correa me chamou e aí nós dividimos o escritório modelo em área Cível, área de Família e área Criminal. Começamos o trabalho atendendo aquele pessoal da Mangueira, pessoal pobre, fazendo uma segunda mão com a Defensoria Pública. Aquilo ali deu certo. Foi proveitoso mesmo. O pessoal gostou muito. O professor Oscar se afastou da faculdade para ser ministro da Justiça. Depois ele foi ministro do Supremo Tribunal Federal. Eu ainda contei com ele em duas ocasiões. Um evento que fiz sobre Direito Constitucional, quando me chamaram para ser supervisor da Gama Filho, e tive que pedir licença da UERJ para ajudar a Gama Filho. E quando concorri ao cargo de Ministro do Superior Tribunal de Justiça, ele também se engajou em minha campanha, me deu algumas orientações. Recentemente, encontrei com ele já doente. Nos sentamos em um restaurante e recordamos os tempos de UERJ. Ele sempre foi um grande amigo. Dos melhores… Fiz uma homenagem a ele quando faleceu, no Superior Tribunal de Justiça. Fiz constar da ata essa homenagem.
Primeiro fui contratado como instrutor. Aí, fiz a livre-docência, porque não havia Mestrado e Doutorado. Livre-docência em Processo Civil, acho que em 1988. Depois, fui professor titular também em Processo Civil, em 1995. Esse concurso para livre-docência foi um concurso dificílimo. Nós tínhamos uma prova escrita, uma prova didática e tínhamos a defesa da tese. Então, eram três provas: na prova escrita, tínhamos seis horas, depois se lia a prova para a banca; na prova didática sorteava-se um ponto e esse ponto era objeto de uma aula que se dava, não só para banca, mas também para os alunos presentes.
A minha livre-docência foi sobre ‘intervenção de terceiros’. Bom, a banca era duríssima. Era composta pelo Barbosa Moreira, pelo professor Muniz de Aragão, professor Calmon de Passos, Celso Agrícola Barbi e o professor Hortêncio Catunda de Medeiros.
Já para professor titular a banca foi diferente: Barbosa Moreira, Muniz de Aragão, Cândido Dinamarco, Adroaldo Furtado Fabrício e Gustavo Tepedino. Quer dizer, ali aconteceu uma coisa interessante porque, muito embora quem tenha levado o Gustavo Tepedino para a faculdade tenha sido eu, ele fez um concurso para professor antes de mim. Então, ele acabou me examinando.
Tenho o hábito de dormir pouco. Eu já dormia pouco. Na prova de aula, preparei-me de dia, dormi de noite, acordei no dia seguinte e fui dar aula. Mas, na titularidade é que houve um fato sui generis, porque houve uma posse no Supremo Tribunal Federal, se não me engano, uma posse no Supremo ou no Superior Tribunal de Justiça, e aí, dois membros da banca foram a essa posse. Então, houve uma inversão e nós fizemos a defesa de tese antes da prova didática. Normalmente, seria a prova escrita, a prova didática, e depois, a defesa de tese. Mas, no concurso para a titularidade, a prova de aula foi uma prova posterior à prova de tese. Então, o que aconteceu? Eu terminei a defesa da tese, sorteei o ponto para a aula e a aula era no dia seguinte de manhã. Terminei a defesa de tese 4 horas da tarde, mais ou menos, 3 horas, por aí. Sorteei o ponto e era um ponto difícil. Fiquei com dificuldade de dormir. Dormi de sete da noite a uma da manhã. Acordei uma hora da manhã e, aí, já com a cabeça mais descansada, preparei a aula toda. O tema era “mandado de injunção”, matéria nova, que ninguém ainda sabia. Tive até o apoio de um estagiário, Marcelo Carpenter, que fez as pesquisas para mim enquanto eu dormia. Ao acordar peguei o material e saí escrevendo. E ele era um rapaz muito, muito amigo. Tinha algum parentesco com o Luiz Carpenter. Um rapaz de valor, trabalha hoje no escritório Sergio Bermudes.
Tem que ter muita disciplina. Quando chegou, assim, oito horas da manhã, estava preparado para a aula. Peguei um headphone, fiquei ouvindo música até dez horas da manhã. Dez horas fui embora para a faculdade, dei uma aula normal. E ali, nesse dia, saíram divulgadas as notas.
Tenho um grande amigo na faculdade, que é o Paulo Cezar Pinheiro Carneiro. O PC, Paulinho, ele sempre foi muito meu amigo. Tanto que usou uma frase interessante no concurso dele. Fiquei emocionado quando ele falou isso… Eu estava na banca e ele sendo examinado por mim. Eu era professor titular e ele não era. O levei para dar aula na UERJ, e ele, inclusive, me preparou para o Ministério Público, quando fui promotor. Ele era muito querido, muito amigo. Quando o examinei, antes de começar a me responder, falou assim: “Fux, nós somos amigos desde a época em que nós não éramos nada”. Uma pessoa sensível. Porque nós éramos amigos quando a gente era nada mesmo! Nada. Eu já era desembargador e ele era procurador da Justiça. Ele concorrendo para titular de TGP. Quando acabei meu concurso de cátedra, o Paulinho levou o pessoal da banca para o aeroporto. E nós viemos para a minha casa às quatro horas da tarde. Ai, eu falei: “Paulinho, só resta nós dois para comemorar. Vamos comemorar”. Tinha ganho de presente uma garrafa de Royal Salute, que era o whisky mais caro que tinha. Então, eu e Paulinho, às quatro horas da tarde, tomamos uma garrafa de Royal Salute sentados na mesa da minha sala. Conversando. Nós nunca nos esquecemos disso.
Aquilo ali fazia parte da carreira. Eu não me admitiria continuar na UERJ sem fazer esses concursos. Porque a UERJ, ela legitima muito a carreira do professor que faz concurso. O alunado da UERJ é muito exigente. Ele não é condescendente com professor que está ali dando aula para experimentar. O aluno quer saber se o professor tem estrutura para dar aula. O concurso legitima a sua permanência. E sempre fui assim muito voltado para o estudo, muito dedicado. Eu só me meto em coisa difícil, só arranjo coisa que não é frugal. A vida se torna mais difícil também. Mas é o meu temperamento.
Hoje tenho na UERJ ligação com o mestrado, com o doutorado e com o grupo de pesquisa. Por quê? Porque isso me dá uma flexibilidade de horário maior. Sou Ministro, então, tenho que estar sempre em Brasília. Vou uma vez por semana à UERJ. E, além disso, para cumprir a minha carga horária, faço parte de quase todas as bancas de concurso. E tenho uma relação tão afetiva com a UERJ, que até admitiria, sem problema nenhum, até porque não sacrifica a minha carreira de Ministro, nunca sacrificou, daria aula de graça na UERJ. Eu tenho amor pela UERJ. A UERJ faz parte da minha vida.
Também fui chefe do Departamento de Processo Civil da UERJ. E sou candidato novamente a ser, pelo rodízio. Pretendo ser de novo.
O ensino jurídico sempre foi um ensino muito hermético, muito conceitualista. Ensino de conceitos, onde não se procurava levar o aluno a pensar. Talvez até por uma influência política que visava engessar a inteligência do aluno de Direito. Nós estamos em uma época em que você não forma só um aluno para ser advogado. Você forma um cientista do Direito. Então, ele tem que ter uma visão interdisciplinar do fenômeno jurídico. Hoje o ensino jurídico é diferente, porque não é mais positivista. O professor deve levar ao aluno o conhecimento das virtualidades da lei, da necessidade da aplicação da lei à luz dos fins sociais a que a se destina. O homem do Direito não pode ser alheio à realidade do que está aí na rua, dessa pobreza. Ele não pode ser alheio à necessidade de se aplicar o Direito levando em consideração novos valores trazidos pela Constituição Federal. Não há mais possibilidade de se fazer um estudo estanque do Direito. O estudo do Direito hoje é um estudo à luz de princípios éticos, morais.
Como magistrado
Primeiro procuro ver qual é a solução justa. E depois, procuro uma roupagem jurídica para essa solução. Não há mais possibilidade de ser operador de Direito aplicando a lei pura. Nós aprendemos assim por força de um engessamento levado pela política de repressão, e que hoje não existe mais. Então, hoje é muito importante que o professor se despoje desse ranço da ortodoxia do ensino, de que fica vinculado a só uma questão legalista. O Direito vive para o homem, e não o homem para o Direito. É preciso dar solução que seja humana. A justiça tem que ser caridosa e a caridade tem que ser justa. É preciso estar atento às aspirações do povo, porque, no meu modo de ver, assim como o Poder Executivo se exerce em nome do povo, para o povo; o Poder Legislativo se exerce em nome do povo, para o povo; o Poder Judiciário se exerce em nome do povo, para o povo. A justiça é uma função popular. Na faculdade deve-se partir desse ensino com a cabeça bem aberta para tudo isso. Porque aí se formam pessoas que farão as suas opções.
Estou agora lançando o projeto Conhecendo a Constituição. O projeto começou em Aracajú, onde um instituto quis lançar pela primeira vez em homenagem a um jovem que falecera. Envolvi-me com a questão afetiva desse pai, que criou um instituto para dar educação graciosa a mil crianças. Sendo um homem muito rico, como tudo pertenceria por herança ao filho dele, resolveu criar esse instituto. Achei isso o máximo. E quis começar por ali, porque ele foi ao meu gabinete e falou que queria fazer essa homenagem ao filho. Chama-se Instituto Luciano Barreto Júnior, o nome desse menino faleceu. Fui a Sergipe e lancei o projeto “Conhecendo a Constituição” lá.
E teve uma repercussão tão grande que, hoje está sendo levado ao MEC para que se introjete no ensino médio as noções elementares do que é que cada Poder da República faz, os direitos fundamentais da pessoa humana, para que o jovem, já desde cedo, tenha noção da cidadania e possa avaliar se o homem está cumprindo suas funções. Deu divinamente certo. Ninguém faz nada sem a mão de Deus. E nem acontece nada na vida que não seja desígnio de Deus. Quando você consegue alguma coisa, teve uma grande ajuda de Deus. Quando você não consegue é porque Deus achou que aquilo não era o melhor para você. E isso é uma forma de você se contentar, desde que você lute.
Eu diria aquilo que já coloquei em um livro: “a UERJ é uma das melhores partes de mim mesmo”. No curso da minha existência, é uma das melhores partes de mim mesmo. Tenho o meu lado humano, minha história, minha vida. Nessa história da minha vida, a UERJ tem um papel fundamental. Tenho um amor e um carinho muito grande pela casa. Os tempos mudaram um pouco, mas não mudou o meu grau de afeição. Eu gosto muito da UERJ e espero um dia que o destino me permita voltar integralmente para lá. Não sei. Eu tenho isso na minha cabeça. De voltar a ser um professor também do bacharelado.
O aluno de Direito da UERJ do século XXI, tem que ser um homem voltado incessantemente para o estudo, incessantemente. Incessantemente voltado para o trabalho. E ser um homem crítico do sistema. Não há mais lugar para o homem neutro. É preciso desenvolver o que há de relevante, a independência.
A UERJ é uma escola emblemática no Rio de Janeiro. Merece ser lembrada a todo momento, porque ela divulga o que o Rio de Janeiro tem de melhor. Todo mundo imagina que o Rio de Janeiro é bonito pelas suas praias, pelos lugares encantadores, pelo carnaval e futebol. Por um povo alegre. Mas, como eu e outros colegas dizemos nas palestras, e que logra obter grande acolhida dos auditórios, o Rio de Janeiro é maravilhoso, é lindo, mas entre uma caipirinha e outra, também se faz ciência.
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