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Depressão na adolescência é coisa séria
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Número de jovens com depressão tem crescido (Foto: Rudchenko/Master1305/iStock)
Na adolescência somos todos sobreviventes. Uns mais, outros menos. Para a jornalista Eliane Brum, que é mãe, mais importante que o primeiro passo, a primeira palavra ou o primeiro dente, é o momento em que a sua cria descobre o vazio. “Saber aguentar e escutar a dor de um filho, sem tentar calar com coisas o que não pode ser calado com coisa alguma, é um ato profundo de amor”, escreveu ela em seu texto “A Dor dos Filhos”. Essa talvez seja uma das maiores tarefas para os pais e as mães de quem está na puberdade. A fase do “nem-criança-nem-adulto” marca o início de uma série de transformações avassaladoras. Não por acaso serve como pano de fundo para esses indivíduos em formação enfrentarem uma doença que, até pouco tempo atrás, parecia coisa só de gente grande: a depressão.
O problema não só existe como já é bem prevalente no universo teen: atinge um em cada cinco jovens entre 12 e 18 anos (faixa etária considerada como adolescência no Brasil). Há uma lista de motivos por trás do panorama tão assustador.
“Questões sobre sexualidade, dificuldade em lidar com frustrações, bullying, além de pressão pela escolha da carreira e por um bom desempenho escolar estão na base de conflitos que podem funcionar como agravantes”, alerta a psicóloga Vera Ferrari Rego Barros, presidente do Departamento Científico de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP).
De acordo com a psiquiatra Lee Fu-I, coordenadora do Programa de Transtornos Afetivos na Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (Ipq-USP), as formas de diagnóstico também se aperfeiçoaram, facilitando a identificação do quadro. Só que, para a intervenção ocorrer o mais cedo possível, tem um profissional imprescindível nesse roteiro: o pediatra.
“As consultas de rotina proporcionam um contato maior com os pacientes e seus familiares. Nelas, dá para perceber alterações iniciais, muitas vezes sutis”, explica o pediatra Claudio Barsanti, presidente da SPSP. Para fechar o diagnóstico, os profissionais devem estar alertas e a par das características do distúrbio.
Só que isso nem sempre acontece: dados mostram que dois em cada três médicos não identificam o quadro. Como consequência, adolescentes acabam passando por essa tempestade sem um tratamento.
Para evitar esse desfecho, a Associação Americana de Pediatria (AAP) resolveu atualizar diretrizes que estavam há dez anos sem revisão. Um dos objetivos é ajudar os profissionais a rastrearem a doença.
“Reconhecer a depressão na adolescência é mais difícil porque, nessa fase, todos mudam seu comportamento naturalmente, o que pode refletir em maior isolamento“, esclarece a psiquiatra da infância e adolescência Ana Kleinman, do Ipq-USP. “Para essa situação ser considerada normal e saudável, precisa vir intercalada com momentos de convívio”, pontua.
Não é só o pediatra que tem a incumbência de olhar a garotada com essa atenção. “Muitas vezes, o adolescente até quer pedir ajuda, só que não sabe como. Ele se sente julgado e diminuído pelos pais e colegas”, diz a psicóloga Camila Reis, da capital paulista.
Não à toa, entre as recomendações da AAP está justamente o maior envolvimento da família no mundo do jovem. Para isso, o primeiro passo é desvinculá-lo do termo “aborrescente”.
“Às vezes, o jovem começa a aborrecer os pais por demandar mudanças no sistema de interação familiar. Isso não significa que eles estejam errados”, nota a psicóloga Karina Okajima Fukumitsu, de São Paulo.
O diagnóstico e o tratamento da depressão juvenil
Mais difícil do que notar a dor dos filhos é reconhecer que esse sentimento é tão limitante que exige, sim, um acompanhamento especializado. E esse momento é um divisor de águas: ora, se a depressão em adultos é tão devastadora, imagine entre a turma que está só no começo da vida.
“O adolescente é mais intenso e impulsivo. Por isso, não tem experiência para tomar decisões claras nem capacidade de enxergar em longo prazo”, avalia Camila.
Daí os riscos associados à doença – principalmente quando ela não é oficialmente diagnosticada – tornam-se mais preocupantes ainda. A condição, cabe lembrar, afeta o corpo inteiro. “A depressão aumenta o risco cardíaco e traz uma ameaça real de suicídio“, exemplifica Ana. Sem contar que o isolamento faz com que a meninada perca a experiência da interação social – fundamental para a formação da personalidade.
Para muitos pais, o susto do diagnóstico vem acompanhado de outro temor: o de que o filho precise do tal medicamento “tarja preta” em seu tratamento. Mas esse medo não tem razão de existir.
“O remédio dá, muitas vezes, um espaço de respiro ao indivíduo que luta contra situações além das suas forças. Não quer dizer que ele precisará usá-lo para o resto da vida”, informa o psicólogo André Luiz, pesquisador do Centro de Atenção ao Sujeito no Luto (Casulu), em São Paulo.
E é claro que, sozinhos, os comprimidos não deixam o dia a dia colorido como num passe de mágica. “Se você só toma a medicação e mantém os gatilhos ativos, a depressão não vai melhorar”, afirma Ana. O melhor tratamento é sempre aquele que considera múltiplas abordagens. “Independentemente da severidade, a psicoterapia é fundamental para que crianças e adolescentes aprendam a lidar com os sentimentos ou acontecimentos dolorosos que originaram a depressão”, explica Vera.
Fora do consultório, o desejável é que todos que convivem com o jovem deprimido consigam estar presentes para auxiliá-lo a encarar essa fase conturbada. Cercado de cuidados, ele passará a enxergar o amanhã com muito mais otimismo.
Sinais que denunciam a depressão
Isolamento: Quando o jovem prefere ficar o tempo todo no próprio quarto a sair e interagir com os amigos, é bom investigar.
Nervosismo: É normal se irritar. Mas se esse comportamento se mantém por longos períodos, é indício de que algo não vai bem.
Dores sem fim: Cabeça, estômago, costas e articulações doloridas ligam o alerta. Cansaço constante, letargia e exaustão também.
Fã do perigo: Ter condutas arriscadas ou viciantes pode ser uma forma de buscar alívio ou de se distrair da dor.
Notas em queda: Desempenho escolar ruim e reclamações da postura nesse ambiente indicam que a doença pode estar se instalando.
O fim da linha
“Se a depressão não for tratada, pode levar ao suicídio”, crava a psicóloga Camila Reis. E as taxas entre crianças e adolescentes têm subido significativamente. De 2000 a 2015, as mortes desse tipo aumentaram 65% dos 10 aos 14 anos e 45% dos 15 aos 19 anos – mais do que a alta de 40% na média da população em geral.
“Os jovens não sabem lidar com as frustrações da vida e deixam de enxergar a luz no fim do túnel mais rápido. A impulsividade própria da idade é uma agravante”, diz a psiquiatra Lee Fu I.
E os sinais de que existe o risco de o jovem tirar a própria vida podem ser mais claros do que se imagina. “Frases como ‘ninguém se importa se estou vivo ou morto’, ‘queria desaparecer’ ou ‘melhor seria se eu morresse’ devem ser encaradas como um pedido de escuta para um sentimento de angústia incontornável”, alerta a psicóloga Vera Barros.
Possíveis estímulos para o surgimento da depressão na adolescência
Hormônios a mil: O turbilhão hormonal deixa os jovens mais impulsivos. Só que, muitas vezes, eles não estão preparados para tanta intensidade.
Muitas emoções: O adolescente tem dificuldade de reconhecer bem os próprios sentimentos. Gerenciá-los é mais complicado ainda.
Pressão escolar: Além do bullying, a cobrança pela escolha da carreira, frustrações amorosas e insatisfação com o corpo entram em jogo.
Perdido em si: Na juventude, surge a necessidade de separação psíquica dos pais. O lugar deles se torna vazio e mais vulnerável.
Traumas: Perda de alguém próximo, sensação de abandono e grandes cobranças pessoais também abrem alas para a depressão.