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Agronegócios

Por que a carne continuará mais cara em 2020 (e pode piorar)


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Depois de encarecer o fim de ano dos brasileiros, o aumento do preço da carne observado nos últimos meses promete se estender também por 2020 — pelo menos nos primeiros meses do ano, na visão de especialistas em comércio exterior e inflação ouvidos pela BBC News Brasil.

Isso porque os graves problemas que atingiram a monumental produção de porcos na China, que tem comprado mais carne do Brasil e desabastecido o mercado brasileiro, ainda estão longe do fim.

E, em tempos de dólar alto, vender para o exterior é bem mais atrativo que as vendas nacionais.

Em outubro, as vendas de carne bovina para os asiáticos subiram 62% sobre setembro, em um total de mais de 65 mil toneladas. Nesse embalo, o preço do boi gordo no Brasil bateu recordes em novembro, segundo dados do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP.

A razão para o aumento envolve, além do fator China, um momento de oferta restrita de bois no Brasil, um tradicional aumento da procura doméstica por carnes no fim do ano e o dólar cotado acima dos R$ 4, que aumenta ainda mais o ganho dos exportadores na hora de converter o dinheiro das vendas para real.

Segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), em menos de três meses o custo do contrafilé subiu 50% para os supermercados; o do coxão mole, 46%. Por isso, o aumento foi repassado aos consumidores.

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse, no fim de novembro, que os preços mais altos vieram para ficar.

“Neste momento, o mercado está sinalizando que os preços da carne bovina, que estavam deprimidos, mudaram de patamar”, afirmou, em nota publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo. Questionada se continua a consumir carne vermelha, respondeu em tom de brincadeira: “Estou comendo frango. Agora, é só frango”.

O início da peste

Tudo começou em setembro de 2018, quando a China anunciou que o vírus da peste suína africana havia sido detectado em sua produção de suínos para subsistência.

O alerta era grave: a doença, altamente contagiosa e que causa hemorragia nos animais, é de notificação obrigatória aos órgãos oficiais nacionais e internacionais de controle de saúde animal, com potencial para rápida disseminação e significativas consequências socioeconômicas, segundo informações da Embrapa Suínos e Aves.

Em abril de 2019, veio a confirmação de que se tratava de um problema gigantesco: até 200 milhões de porcos poderiam ser abatidos ou mortos por infecção, estimou o banco holandês Rabobank.

“Teoricamente este número de suínos sacrificados ainda não foi atingido. Mas não existem dados oficiais”, explica o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. De outubro para novembro, o preço internacional da tonelada da carne bovina aumentou de US$ 4,47 mil para US$ 4,86 mil, bem mais caro do que era em novembro de 2018, a US$ 3,9 mil.

Embora seja a proteína mais consumida na China, nenhum produtor mundial teria capacidade para alimentar os mais de 1 bilhão de habitantes do país com carne suína, e por isso a saída foi migrar as compras para carne de boi. Nesse ramo, os maiores produtores são Estados Unidos, Brasil e Austrália.

Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, o volume de carne exportado pelo Brasil se mantém acima das 100 mil toneladas desde julho de 2018, influenciado especialmente pela demanda chinesa. Em novembro, a China até autorizou 13 novos frigoríficos brasileiros a exportar para o país para reforçar a produção.

Os preços atuais das prateleiras, explica Castro, refletem as cotações antigas da carne no mercado internacional, o que sinaliza que podem subir.

“A expectativa é que em dezembro [os preços internacionais da tonelada] subam mais”, diz, acrescentando que é por isso que ele prevê que, nos próximos meses, os preços ao consumidor estarão ainda mais altos.

“O preço que está hoje ainda não espelha o mercado internacional, porque o exportador vende com antecedência. Quem vendeu no passado vendeu com os preços antigos. Quem está vendendo agora, sim, está usando os preços internacionais novos”, diz.

O aumento das vendas para o exterior, além disso, pegou o mercado despreparado: de acordo com dados do Cepea, a oferta de bois nos pastos brasileiros continuava restrita em novembro em todas as regiões do país. “De modo geral, o crescente abate de fêmeas em anos recentes resultou em restrição de oferta de animais. Nesse sentido, a pecuária nacional vai ter que responder com aumento de produtividade”.

Quando o problema da China vai passar?

Desde o início da crise, havia a suspeita entre a indústria de carne que a situação da produção suína chinesa era pior do que era divulgado pelas autoridades.

A declaração oficial mais recente é de outubro, quando um oficial do Ministério da Agricultura, Yang Zhenhai, disse que a expectativa é recuperar 80% da produção suína em 2020. Segundo ele, a peste dizimou 40% dos porcos do país. Afirmou também que houve pouco progresso no desenvolvimento de uma vacina para combate do vírus.

Castro, da AEB, ressalta que, tratando-se de bois ou porcos, aumentar a produção não é rápido como na indústria, em que se pode ligar ou desligar máquinas de acordo com a variação da demanda.

“Um boi para entrar em tempo de abate precisa de pelo menos 18 meses, não é como uma indústria, que a demanda cresce e você pode reagir mais rapidamente. Se não tem carne hoje, não vai ter amanhã”, explica.

A inflação vai voltar a subir?

Atualmente, a inflação no Brasil, em meio à economia fraca, está comportada em relação a anos anteriores: o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Getulio Vargas, por exemplo, acumula alta de 2,9% em 2019 e 3,51% nos últimos 12 meses.

No Índice de Preços ao Consumidor do Município de São Paulo, medido pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da USP (Fipe/USP), a carne bovina acumula alta de 1,76% em 2019 até outubro, menos que os 2,27% do mesmo período de 2018, marcado por pressões da greve dos caminhoneiros e variação cambial. Em 2015, no mesmo período, a inflação da carne era de 10,74%.

Guilherme Moreira, coordenador do IPC da Fipe, diz que os preços da carne andavam contidos, e por isso não vê riscos de que a inflação “estoure” no ano que vem. “Sozinha a carne não vai estourar a inflação, por mais que continue subindo ao longo do tempo. Todos os anos tem um choque desse tipo; batata, feijão”, pondera.

André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor e analista de inflação da Fundação Getulio Vargas (FGV), prevê que a carne permaneça em patamares mais altos até pelo menos o primeiro trimestre do ano que vem, e vá perdendo fôlego ao longo do ano. “Acredito que não vai terminar 2020 como a grande vilã da inflação”.

O economista da FGV explica que as carnes (incluindo bovina, peixes, aves e suínos) representam um gasto de cerca de 3% da renda familiar do brasileiro.

“Fazendo uma comparação, pesa tanto quanto uma conta de luz. Pode pesar mais”.

Ele explica que os preços contidos, citados pela ministra da Agricultura, se devem a razões conjunturais, como, por exemplo, a recessão econômica.

“Carne é um produto de primeira necessidade, mas é caro. Então as famílias diminuem o consumo em momentos em que está mais comprometido”. Além da demanda fraca, ele aponta fatores como chuvas e pastagens mais regulares, que ajudam a evitar alta de preços.

“O fato é que, por enquanto, a carne vai continuar mais cara. O que o consumidor pode fazer, para fugir um pouco, é comprar menos, não para que o preço volte o que era, mas para evitar novos aumentos que não são necessários”.

Moreira, da Fipe, diz que vê no câmbio uma pressão mais importante para a inflação do que a carne. “Ano passado teve greve dos caminhoneiros, o dólar subiu e a contaminação para a inflação foi praticamente nenhuma, muito localizada. Não vejo tantas preocupações com a inflação”.

A consultoria LCA, que prevê inflação de 0,39% medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de novembro, diz que no mês que vem a expectativa é de que o efeito da China sobre os preços da carne se estendam também para outras proteínas como as carnes suínas, ovos e peixes industrializados, que “serão os mais afetados direta e indiretamente pelos efeitos da febre suína que aplaca o país asiático” e podem ter algum aumento nos preços.

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