Agronegócios
Tecnologias digitais revolucionam a cafeicultura brasileira
Compartilhe:
“Tivemos várias inovações na produção e no mercado do café no Brasil mas a que estamos vivenciando hoje talvez seja uma das mais importantes. A revolução atual chega embarcada nos sistemas digitais, pelo advento das máquinas cibernéticas que estão transformando o modo de lidar com todo o sistema produtivo do café, da lavoura até os pontos de consumo”. A declaração é do Chefe-Geral da Embrapa Café Antonio Fernando Guerra que, na tarde de quarta-feira, 21, abriu os trabalhos do Fórum da Cafeicultura Sustentável 2019 na Semana Internacional do Café, em Belo Horizonte, falando da agricultura 4.0.
Além de fazer a palestra de abertura no grande auditório, Fernando Guerra também mediou o painel que contou com as apresentações de Gabriel Agrelli (Daterra Coffe) sobre “processamento e mapeamento da qualidade da lavoura a xícara”; José Roberto G. Dias, presidente da Orfeu Cafés especiais, sobre “agregação de valor e diferenciação” e da gerente de cafés e sustentabilidade da Nespresso no Brasil, Cláudia Leite, que falou sobre logística reversa.
A revolução atual é decisiva para a continuidade do protagonismo brasileiro no mercado internacional do café. As primeiras mudas de café chegaram ao Brasil por volta de 1720 e foram plantadas na então província do Pará, vindas da Guiana Francesa. No início o café não tinha grande expressão, mas ao ganhar as lavouras do centro do País e especialmente de São Paulo, a cultura do café se expandiu vigorosamente para chegar, hoje, ao patamar de maior produtor e exportador desta que é a bebida mais consumida no mundo.
Para o pesquisador da Embrapa são muitos os desafios para acompanhar as inovações do mercado e a pesquisa tem se esforçado para ficar ao lado de todo esse complexo que envolve as tecnologias de informação e comunicação, suportada por sistemas de hardware e software. “Não podemos ficar alheios às mudanças em curso, aos impactos que essas tecnologias digitais trazem à vida dos agricultores, do comércio e do consumo. Não podemos apenas ficar observando o que se passa, como se a pesquisa agrícola não tivesse a ver com tudo isso. Pelo contrário, temos que agir de forma proativa com todo esse sistema em curso. Estamos fazendo isso”, disse Guerra.
Como chegar à cafeicultura 4.0?
O chefe da Embrapa Café mostra alguns passos para que se possa chegar ao que ele chama de cafés 4.0, começando por ver toda a cadeia do café como um grande sistema operativo, onde os limites, antes bem demarcados (produção, estoque, comércio, consumo) passam a se conectar e interagir um sobre o outro a todo tempo. As etapas, vistas como um sistema vivo, praticamente se indiferenciam já que uma interfere na outra a todo tempo.
Para chegar a agricultura 4.0, a atitude do agricultor em relação as tecnologias passam por um modelo mental de convivência com um mundo novo em termos do circuito de informação e comunicação. A recomendação de Guerra para transitar nessa nova fase é a seguinte:
– Use tecnologia para simplificar a sua vida
Toda a tecnologia, inventada ou apropriada pelo homem, em qualquer época da humanidade, apareceu para diminuir esforços ou para ganhar escala, produção, velocidade e melhoria de processos. Ou seja, a ideia central dos aparatos tecnológicos é de melhorar a nossa vida, simplificar as coisas. Se por acaso uma tecnologia não simplifica a nossa vida, livre-se dela.
– Inclua sistemas que ajude no controle da gestão
Um dos fatores mais complexos nas atividades produtivas, especialmente para os agricultores que, no dia-a-dia se concentram nas rotinas agrícolas, é de manter a gestão dos seus negócios sob controle. As novas tecnologias embarcadas em equipamentos cada vez menores podem ajudar na gestão das atividades, controle de planilhas, identificação de gargalos, etc.
– Monitore todas as fases da atividade agrícola
Além dos números, das contas da propriedade, o agricultor pode dispor de sistemas digitais que proporcionam o monitoramento da atividade agrícola (ou pecuária) em si. Nem sempre é possível manter tudo sob controle nas lavouras de café, por exemplo, mas aparelhos dotados de sensores e câmeras podem ajudar na diagnose rápida do que está acontecendo no campo e colaborar na decisão a ser tomada.
– Reduza custos e elimine desperdícios
Um dos grandes problemas na produção rural é tomar decisões corretas, na hora certa. Os aparatos tecnológicos ajudam na identificação dos problemas que limitam melhores ganhos pela redução de custos. Também colaboram para a correta análise sobre pontos onde ocorrem desperdícios na propriedade. Aos olhos do agricultor somam-se vários outros, que podem “varrer” a propriedade durante o dia e a noite, sem cansar. Afinal, o agricultor precisa descansar e pode ser muito interessante que durante o sono ele tenha olhos na produção.
Aumente a produtividade observando custo/benefício
Com base no monitoramento e no encaminhamento correto das decisões sobre o que acontece no campo o agricultor tem a chance de avançar no negócio agrícola. O foco é aumentar a produtividade, mesmo diminuindo área, decisão possível quando há informação abastecida pelo olhar criterioso do que aparece nas telas dos computadores. Não é raro o produtor rural se surpreender com o resultado quando analisa friamente o custo/benefício de uma determinada atividade. Por exemplo, é possível investir mais em cafés especiais, numa área menor, sob controle intenso, com custo menor, para ganhar mais no computo geral. Renovar área tradicionais, grandes, de alto custo, nem sempre é fácil, mas é uma decisão proporcionada pelos dados disponíveis.
Invista em sistemas sustentáveis
A agricultura 4.0 não dispensa a sustentabilidade em todos os sentidos, não apenas a econômica. Hoje, ser sustentável implica em ter olhos muito atentos para os impactos do uso de agroquímicos nas lavouras, na condição de vida dos colaboradores, na adequada forma de entrega dos produtos e no compromisso com os consumidores que se abastecem sabendo que aquela marca agrega a identidade de uma determinada região, território, local e produtor. A economia reversa chegou para nos mostrar a força do ir e vir entre consumidores e produtores.
– Acostume-se ao zumbido de drones, VANTs, sensores…
Os produtores rurais, classicamente conhecidos por nós, são um pouco avessos às interferências e costumam ser até reclusos na produção rural. Entretanto, as máquinas chegaram para ajudar e não para ameaçá-los. No início foi o facão e a enxada, depois os tratores, ceifadoras, processadoras, enfim. Hoje são as máquinas digitais, os computadores, smartphones, drones e veículos não tripulados que voam sobre as nossas cabeças. Eis a tecnologia que chegou para ficar e certamente será superada e renovada por outras mais modernas e amigáveis do que as atuais.
Tenha a lavoura na tela e se possível na palma da mão;
As tecnologias avançaram ao ponto de se poder analisar a propriedade ou mesmo o desempenho de um talhão de café na tela de um smartphone ligado numa rede onde seja possível captar a internet. Não podemos abrir mão dessas facilidades e são muitos os aplicativos disponíveis e milhares os que estão sendo criados neste momento, enquanto esse texto é lido. A Embrapa está trabalhando diretamente no fomento de novas startups junto as universidades nas regiões cafeeiras do Brasil. Ou seja, todas essas facilidades precisam ser usadas a todo tempo, trata-se de um ambiente muito dinâmico no contexto das novas tecnologias e se não ficar de olho nas novidades pode-se perder tempo e dinheiro.
Analise se a tecnologia economiza seu tempo e esforço;
Além de obter mais lucro por unidade de área, o agricultor precisa analisar continuamente a relação custo/benefício do seu tempo e do seu esforço para implantar novos sistemas digitais. Por exemplo, se o abastecimento de dados numa determinada plataforma passa a consumir grande parte do tempo do agricultor alguma coisa está errada. Afinal, a tecnologia vem para facilitar a vida e não para complicar e gastar o tempo. Sistemas digitais rastreáveis e que armazenam e cruzam dados (de satélites e de sistemas operacionais disponíveis) são preferíveis àqueles que dependem 100% de mão de alguém que o abasteça a todo o tempo.
Não esqueça de cuidar do lazer e da família.
Afinal, a função das TICs é de facilitar a vida dos agricultores para que vivam melhor como empresários rurais que são, que cuidem da família e dos amigos e não dispensem o tempo de lazer. As tecnologias são apoios e devemos nos utilizar delas e não ficar escravos das suas lógicas, da neurose dos números e planilhas. Por exemplo, no tempo de lazer deixemos que alguém fique de olhos nas telas e nos números e que nossos olhos e mentes sejam dominados apenas pelo prazer da convivência.
A Embrapa Café no circuito das startups
Criar novas startups, empresas emergentes para trabalhar nas soluções tecnológicas para o café, foi a ideia central para a criação do Avança Café, pela Embrapa Café e pelo Consórcio Pesquisa Café – coordenado por esta Unidade da Embrapa no Brasil. O Programa Avança Café, que começou a operar no início de 2019, foi disparado a partir de duas universidades federais mineiras, a de Viçosa e a de Lavras e os resultados são promissores. Seis novas startups estão entrando no mercado com soluções criativas para a cadeia produtiva a partir desta proposta.
A startup vencedora em Viçosa (Farmly), por exemplo, já está comercializando cafés especiais de pequenos produtores do estado de Minas Gerais nas grandes cafeterias da Europa. Esse contato é ajustado entre os fornecedores e os demandantes e cria um plano de negócios onde o produtor ganha mais e os baristas pagam menos. Essa é a vantagem do modelo startup, apoiado pela Embrapa Café e que já está se consolidando em novas etapas e brevemente se amplia para outras regiões onde se produz café no Brasil.