Educação
Aulas paralisadas e estruturas precárias: crianças e adolescentes sofrem com abandono de escolas
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Em maio do ano passado, a Polícia Federal deflagrou uma operação com o objetivo de desarticular uma organização criminosa, composta por servidores da prefeitura de Porto Velho e empresários, suspeitos de fraudar licitações da Secretaria Municipal de Educação de Porto Velho (Semed) no que corresponde ao transporte escolar fluvial, e desviar recursos do Programa Nacional de Transporte Escolar (Pnate).
A empresa Flecha, que fazia o serviço de transporte fluvial para a região do Baixo Madeira, foi proibida de operar e a prefeitura não conseguiu substituí-la até agora. E como consequência, diversas escoladas da região não estão recebendo professores e até mesmo alunos, que dependem desse transporte.
O Profissão Repórter visitou comunidades ribeirinhas, em Porto Velho, e viu de perto as consequências do descaso do poder público com a educação local.
A repórter Eliane Scardovelli foi até uma comunidade ribeirinha de Porto Velho — Foto: Reprodução/TV Globo
A repórter Eliane Scardovelli conversou Fábio da Fonseca, que é barqueiro e responsável pelo transporte de lancha de professores e alunos de outra comunidade até Nazaré. Ele contou que não faz o serviço há quase oito meses e que não recebeu mais informações sobre desde a paralisação dos barcos.
“Já faz um tempo. Acho que uns oito meses e de lá para cá não resolveram nada até agora. Falaram que é por causa do transporte, que a empresa que atende aqui não está podendo mais trabalhar. Eram 76 canoas e para arrumar tudo isso rápido não é fácil não.”, explicou Fábio.
A falta de transporte fluvial e terrestre prejudicou cerca de 2,5 mil alunos ribeirinhos que precisam ser levados até a sedes das comunidades para estudar. O fato revoltou alguns moradores, que cobram atitude da prefeitura.
“Isso é uma falta de vergonha. Eles não olham para as crianças que estão aqui, que precisam estudar. Os filhos deles estudaram, o do prefeito. E nossos filhos vão ficar sem estudar? Isso não é certo”, desabafou Carina Venâncio, que é dona de casa.
Para o promotor de Justiça Marcelo Oliveira, os gestores municipais são os principais responsáveis pela atual situação do ensino em Porto Velho. Ele afirma que medidas foram tomadas, mas que o poder público não as seguiu.
“Os gestores são responsáveis. Em primeiro plano os gestores municipais, porque eles tinham essa obrigação de fazer o transporte escolar. É inconcebível que depois de se conseguir na Justiça uma autorização para fazer uma licitação emergencial de seis meses para fazer esse contrato. Eles deixaram vencer o contrato de seis meses, não conseguiram fazer o contrato e sequer comunicaram em juízo que não iam conseguir. “, afirma o promotor.
A repórter Eliane Scardovelli conseguiu falar com secretário municipal de transportes Marcelo Félix, que explicou a situação.
“Na realidade houve uma série de fatores que ocorreram para que eles ficassem sem essas aulas. A principal situação é a dificuldade para contratação de uma empresa para realizar o serviço que tenha as embarcações. Houve várias tentativas de contratações, mas fracassaram no procedimento emergencial”, disse Marcelo Félix.
O Ministério Público de Rondônia entrou com uma ação civil pública para tirar da prefeitura a gestão do transporte escolar de Porto Velho e transferir para o governo do Estado em caráter emergencial. A prefeitura de Porto Velho foi multada em R$ 2,4 milhões e o prefeito está respondendo a um processo de improbidade administrativa.
Greve e sala improvisada
Em Mato Grosso, uma greve de professores deixou mais de 200 mil alunos sem aulas na redes estadual. O motivo da paralisação é um projeto que prevê o congelamento dos salários dos docentes por dois anos.
O governo alega que, sem receitas, não pode dar aumento salarial para não ir contra a lei de responsabilidade fiscal.
Professores protestam contra lei que congela salários por dois anos — Foto: Reprodução/TV Globo
Como consequência dos atos, muitas escolas ficaram vazias, mas sem esconder seus problemas estruturais. A repórter Nathalia Tavolieri visitou algumas comunidades que sofrem com o descaso do poder público em relação à educação.
“É muito quente na sala de aula. E quando chove não tem condições de ficar dentro da sala, alaga tudo e tem muitas goteiras”, diz a aluna Renata Batista.
Em Água Branca, a 300 quilômetros de Cuiába, uma comunidade rural adaptou um antigo estábulo e o transformou em escola.
“Se a gente não fizer isso teremos um impacto muito grande na evasão escolar, que é algo recorrente. Já tem uma evasão muito grande em todo o Estado e no nosso município não é diferente”, explica a professora Maria Antônia do Nascimento sobre usar um estábulo como sala de aula.
A professora também desabafou sobre as condições em que precisa lecionar.
“Um aluno estudando uma sala com 50 e poucos graus na cabeça, toda hora ele tem que tomar água, tem que sair da sala de aula, ele precisa de algo. Eu sou realizada porque gosto da minha profissão. Não serei outra coisa na vida se não professora. E para o aluno, a referência de uma comunidade é a escola. Aqui eles só têm a escola e uma igreja”, completa Maria.
Em conversa com a equipe do Profissão Repórter, a secretária de Educação do Mato Grosso Marioneide Angélica Kliemachewsk disse que existe uma recomendação do Ministério Público para que os salários dos professores não recebam um aumento.
“Nós tivemos um total de oito reivindicações dos professores, e seis foram atendidas. Existe também uma recomendação do Ministério Público que não se dê aumento neste momento, enquanto não sanar as contas públicas do Estado do Mato Grosso”, explicou.
Depois de 75 dias em greve, o sindicato dos professores e o governo de Mato Grosso entraram em um acordo. As aulas foram retomadas nesta quarta-feira (14).
Lixo x escola
Em Manaus, os repórteres indígenas Claudia e Moisés, que participaram do GloboLab Profissão Repórter 2019, foram até a comunidade Boa Esperança, que está sem escola devido a um lixão instalado de forma irregular.
Após funcionar por apenas um ano, a escola foi totalmente abandonada. Em visita ao local, os repórteres encontraram materiais novos e uma estrutura pronta para receber alunos.
Em nota, a prefeitura de São Gabriel da Cachoeira diz que o lixão existe há 19 anos e que não existe um plano de curto prazo para remoção por falta de áreas municipais. A prefeitura também diz ter pedido uma doação de terras arrecadadas pelo Incra, além de ter pedido à Presidência da República a anulação da Portaria nº 1,703, para que terras indígenas sejam repassadas ao município. A prefeitura reconhece que o pedido é polêmico, mas alega que é necessário pelo interesse público.