Saúde
5 boas notícias da ciência desde o início da pandemia de coronavírus – e que não têm a ver com a covid-19
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Com o avanço da pandemia do novo coronavírus, o mundo está quase inteiramente voltado para essa tragédia global que já causou, até esta quarta-feira (15/04), mais de 120 mil mortes.
Mas isso não significa que o planeta parou, em especial, o mundo da ciência, que segue fazendo descobertas importantes em outras áreas.
Reunimos a seguir cinco descobertas fascinantes, das quais você talvez não tenha ouvido falar, mas que representam avanços importantes em diferentes campos do conhecimento científico desde dezembro.
1. A prova da existência de uma partícula que pode revolucionar a computação
Lembra-se do Grande Colisor de Hádrons, construído em Genebra, na Suíça? Agora imagine algo assim, mas do tamanho do diâmetro de um cabelo humano, projetado por um grupo de pesquisadores para fazer um experimento único, reportado pela revista Science.
“Nosso estudo prova pela primeira vez a existência de partículas chamadas anyons”, diz um dos autores do estudo, o físico Manohar Kumar.
Anyons são um tipo de quasipartículas, que são partículas capazes de viajar em estado sólido cercadas por outras partículas que se arrastam à medida que se movem.
No nosso “mundo comum” em 3D, explica Kumar, há dois tipos de partículas: férmions e bósons. Mas os anyons pertencem ao mundo da física 2D, ou seja, seus ambientes são sistemas bidimensionais.
“Existem fenômenos onde as condições físicas literalmente fazem tudo acontecer em 2D. Os físicos costumam dizer que uma das dimensões congela. Assim, embora nosso espaço diário seja 3D, a física de certos fenômenos é realmente restrita ao universo 2D “, explica o blog científico Quantum Tales.
Na Finlândia, a Universidade de Aalto, na qual Kumar trabalha, destacou o trabalho dos cientistas por ser “o primeiro a medir diretamente as propriedades quânticas de anyons, que são consideradas partículas exóticas.
Elaborados teoricamente em 1977, “os anyons foram alvos de experimentos, mas a verdadeira natureza quântica dessas partículas era desconhcida até agora”, diz a instituição.
Gwendal Féve, líder do grupo de pesquisadores (do Laboratório de Física da Escola Normal Superior de París), diz que “a prova definitiva da existência dos anyons é demonstrar que se comportam como algo que está no meio do caminho entre um férmion e um bóson, e é isso que conseguimos mostrar pla primeira vez com esse experimento”.
Os estudos sobre essas partículas são um avanço importante para a física e para o desenvolvimento de tecnologias futuras, como a computação quântica, que promete revolucionar computadores usando a mecânica quântica para resolver problemas milhões de vezes mais rápido do que as máquinas atuais.
2. Uma vacina contra uma doença que mata dezenas de milhares todos os anos
Em 28 de fevereiro, a Universidade de Navarra, na Espanha, anunciou que um de seus pesquisadores havia desenvolvido uma vacina contra shigelose ou disenteria bacteriana, uma infecção que causa diarreia, dor de estômago e febre e, nos casos mais graves, leva à morte.
De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês), há entre 80 e 165 milhões de casos em todo o mundo a cada ano e 600 mil óbitos.
“Shigelose é um problema global de saúde pública para o qual uma vacina ainda não está disponível, apesar do fato de a Organização Mundial de Saúde considerar uma prioridade”, disse Carlos Gamazo, diretor do Departamento de Microbiologia da Universidade de Navarra.
A doença, transmitida principalmente pelo consumo de água e alimentos contaminados, afeta drasticamente as crianças em países em desenvolvimento.
“O maior benefício seria alcançado com a introdução de uma vacina de baixo custo que requer apenas uma dose única. O grupo de Yadira Pastor (cientista que liderou a investigação) trabalha para obter essa vacina de administração única e ‘sem agulhas’, com os níveis esperados de proteção “, afirma Gamazo.
Segundo Pastor, o projeto foi testado em camundongos “para verificar a eficácia e a toxicidade deste produto, com resultados muito promissores”.
Além disso, “diferentes vias de administração foram estudadas para substituir a via parenteral (intravenal)”, explica a bioquímica. O objetivo é facilitar a vacinação em massa e reduzir o uso de resíduos biológicos. Para isso, a pesquisadora criou géis imunoestimulantes para administração via nariz ou microadesivos, para a via intradérmica.
“Ambas as vias tiveram resultados muito promissores em camundongos que, após serem vacinados pelas duas vias, ficaram protegidos contra a infecção pela bactéria shigella”, diz Pastor.
Para tornar essa vacina uma realidade, será preciso confirmar sua eficácia em outros animais e só então será possível partir para testes de que ela é segura e funciona em humanos, explicou a pesquisadora.
3. A vida selvagem prospera na zona do acidentes nuclear de Fukushima
Em 11 de março de 2011, um violento tsunami sacudiu a costa leste do Japão e causou danos à usina nuclear de Fukushima.
Grandes quantidades de material radioativo foram liberadas no meio ambiente e causaram o pior acidente nuclear desde o desastre de Chernobyl, em 1986. Mais de 100 mil pessoas foram evacuadas.
Em janeiro, a revista especializada Frontiers in Ecology and Environment publicou um estudo mostrando como, apesar da contaminação radioativa, a vida selvagem voltou a prosperar nessa área. Os cientistas descobriram populações abundantes de animais nas áreas que foram atingidas.
Um dos líderes da pesquisa, o biólogo James Beasley, explica que o estudo, realizado entre 2016 e 2017, coletou, com câmeras colocadas em 106 lugares, mais de 267 mil imagens de 20 espécies de animais selvagens.
Esta é, diz Beasley, “a primeira avaliação em larga escala das comunidades de mamíferos em Fukushima” e o primeiro estudo das populações de vida silvestre na área levando em consideração a situação peculiar da baixa presença humana.
Ele afirma que Chernobyl e Fukushima foram enormes tragédias para a humanidade, que, agora, ‘representam importantes laboratórios em que estudos podem ser realizados para entender os efeitos da exposição crônica à radiação em plantas e animais”.
O especialista acredita que “o fato de a vida selvagem estar se saindo bem nos territórios evacuados em torno de Chernobyl e Fukushima é um testemunho da resistência da vida selvagem quando não há pressão humana direta, como a perda e fragmentação de seu habitat”.
E é um sinal de que as zonas de exclusão podem abrigar “populações abundantes e autossuficientes” de várias espécies. “Mas é importante observar que isso não sugere que a radiação seja boa para a vida selvagem, sabemos que altos níveis de exposição aguda à radiação podem causar danos genéticos”, diz o cientista.
“Mas ela mostra que os efeitos das atividades humanas cotidianas são piores para muitas espécies da vida selvagem do que quaisquer efeitos potenciais da radiação.”
Beasley indica que ainda há muito a ser conhecido sobre o impacto dos acidentes nucleares de Chernobyl e Fukushima nos animais, incluindo por meio de análises individuais.
E ele destaca que, “embora a vida selvagem pareça se beneficiar da criação dessas novas áreas, muita gente foi afetada” pelos dois desastres.
Apesar disso, ele se sente um pouco otimista em relação a um desafio global: “Ainda há tempo para conservar muitos animais ameaçados e em perigo de extinção em todo o mundo, desde que possamos lhes proporcionar um habitat suficiente”.
4. Os segredos genéticos da massa cinzenta
Em março, a Universidade da Carolina do Norte, nos EUA, anunciou que “havia sido produzido o primeiro mapa genético do córtex cerebral, no qual foram identificadas mais de 300 variantes genéticas que influenciam a estrutura cortical” e, em alguns casos, distúrbios psiquiátricos e neurológicos.
O córtex é a camada de massa cinzenta que recobre o cérebro; é essencial para o pensamento, processamento de informações, memória e atenção.
Um dos coautores da pesquisa, Jason Stein, professor do Departamento de Genética e Neurociência, explica que o estudo identificou como as diferenças genéticas das pessoas afetam a estrutura de seus cérebros.
“Focamos especificamente no córtex, que, em comparação com o de outros primatas, se expande acentuadamente nos seres humanos. Acredita-se que esse prolongamento leve a um melhor desenvolvimento cognitivo e comportamento social. Portanto, é uma parte muito importante do cérebro”, diz Stein.
Para analisar a estrutura do cérebro, os pesquisadores estudaram exames de ressonância magnética do cérebro de 50 mil pessoas e se concentraram no tamanho e espessura da superfície. Além disso, recolheram amostras de DNA dos participantes para entender suas diferenças genéticas..
“Identificamos centenas de lugares em que variações do genoma têm impacto na estrutura cortical, no tamanho e na espessura do córtex. Curiosamente, essas diferenças foram encontradas em locais do genoma ativos durante o desenvolvimento inicial do cérebro, antes do nascimento, em um tipo de célula chamada célula progenitora neural”, afirma Stein.
“Essas células produzem quase todos os neurônios do córtex, mas só estão presentes antes do nascimento. Isso significa que as variantes genéticas influenciam as células progenitoras antes do nascimento para causar alterações no número de células produzidas e no tamanho do cérebro após o nascimento. Isso é realmente interessante, porque significa que a genética pode mudar nossa estrutura cerebral adulta.”
Essas descobertas são importantes porque podem ser usadas em diferentes campos da neurociência e ajudar a determinar, por exemplo, quais variantes genéticas afetam a estrutura do cérebro e a tornam mais suscetível ao desenvolvimento de certos tipos de distúrbios, como esquizofrenia, transtorno bipolar ou depressão.
A pesquisa foi realizada graças ao trabalho de mais de 360 ??cientistas de vários centros em todo o mundo. Stein esclarece que não é a primeira vez que se busca identificar variantes genéticas que afetam a estrutura do cérebro. Mas “é a maior e mais abrangente análise do impacto das variantes genéticas na estrutura cortical produzida até hoje”.
5. Como o sistema nervoso detecta salmonellas e nos defende
Em dezembro, a Faculdade de Medicina da Universidade Harvard informou que um estudo em ratos mostrou como o sistema nervoso não apenas detecta salmonella, mas “defendeu ativamente o corpo” contra a ameaça.
Segundo a instituição americana, a pesquisa, publicada na revista especializada Cell, descobriu que os nervos no intestino dos ratos percebiam a presença da bactéria – a principal causa de intoxicação alimentar no mundo – e formavam “duas linhas de defesa”.
“Nossos resultados mostram que o sistema nervoso não é apenas um sistema simples de detecção e alerta. Descobrimos que as células nervosas no intestino vão além. Elas regulam a imunidade intestinal, mantêm a homeostase intestinal e fornecem proteção ativa contra infecções”, disse o líder do estudo, Isaac Chiu.
O trabalho aponta que o intestino delgado possui neurônios sensíveis à dor, que também estão localizados sob células chamadas placas de Peyer. Os experimentos revelaram que esses neurônios são ativados na presença de salmonella, que, segundo os pesquisadores, é a causa de 25% das doenças bacterianas diarreicas no mundo.
A infecção geralmente ocorre quando você come comida ou água contaminada com a bactéria. “Uma vez ativados, os nervos usam duas táticas defensivas para impedir que as bactérias infectem o intestino e se espalhem pelo resto do corpo”, diz a universidade.
A primeira tática é regular os acessos celulares através dos quais os micro-organismos entram e saem do intestino. E a segunda é aumentar o número de micróbios intestinais protetores, que fazem parte do microbioma do intestino delgado.
“Está ficando cada vez mais claro que o sistema nervoso interage diretamente com organismos infecciosos de diferentes maneiras para influenciar a imunidade”, disse o professor de imunologia, no artigo da Universidade Harvard.
Segundo uma das autoras do estudo, Nicole Lai, os resultados demonstram uma comunicação importante entre o sistema nervoso e o sistema imunológico: “É claramente uma via de mão dupla com os dois sistemas enviando mensagens e influenciando-se mutuamente para regular as respostas de proteção durante a infecção”.
E a razão é que o intestino geralmente é chamado de segundo cérebro. De fato, possui mais neurônios do que a coluna vertebral e age independentemente do sistema nervoso central.
FONTE: www.bbc.com